A cena pode causar certo estranhamento. São dezenas de pessoas, entre homens, mulheres e crianças, vestidas com roupas e acessórios inusitados e empunhando espadas roliças de madeira. A sala é de um silêncio eloqüente. Não são ouvidos risos nem conversas, apenas gritos de guerra e o som das batidas dos instrumentos. Em movimentos lentos, precisos e repetitivos, os participantes entram em combate como se executassem uma coreografia de cinema, típica dos filmes o Último samurai e Kill Bill. São os samurais modernos, pessoas que praticam artes marciais com o uso de espadas em busca de equilíbrio físico e espiritual. A principal modalidade é o kenjutsu, um combate em duplas baseado na estratégia dos lutadores, que usam uma espada de bambu, o shinai. Se até pouco tempo atrás esse tipo de luta se limitava aos descendentes de japoneses, hoje atrai muitos adeptos. Apenas no Instituto Niten (www.niten.org.br), pioneiro no País para a atividade, são mais de 800 alunos espalhados nas suas 32 unidades no Brasil.

Lá, além do kenjutsu, são oferecidas aulas de iaijutsu, técnica na qual o aluno usa uma espada de metal sem corte e enfrenta um guerreiro imaginário em busca do aprimoramento do espírito, e o jojutsu, uma técnica de combate que ensina os alunos a desarmar os adversários usando apenas o bastão de madeira. As três modalidades foram aperfeiçoadas com o método Ken Intensive Recuperation (Kir), ou Recuperação Intensiva pela Espada, desenvolvido pelo médico e sensei Jorge Kishikawa, que há 36 anos segue os ensinamentos dos antigos samurais. “Nosso objetivo é transformar as pessoas, ensinar valores que podem ser aplicados na vida pessoal e profissional”, diz. Kishikawa trocou a medicina pelo conhecimento oriental. Mais do que cuidar do físico, a luta marcial é uma filosofia de vida. O mestre brasileiro se baseia em seis pilares para atrair seus adeptos: coragem, lealdade, honra, sabedoria, polidez e compaixão.

Todas essas virtudes são trabalhadas nas aulas, nas quais os alunos aprendem também técnicas de autocontrole, respiração e concentração. Quem consegue manter a calma nos dias de hoje pode se considerar um privilegiado. E é isso o que procuram aqueles que escolhem a luta de espadas como atividade. “Fiquei mais tranqüilo e paciente. Uns encontram essas coisas na religião, eu encontrei no kenjutsu”, diz o designer de automóveis Fabrício Toscano, 31 anos, que luta há dois anos. A maneira como as aulas são dadas pode explicar essa mudança de comportamento. As lutas são sempre em duplas e os alunos ficam posicionados um de frente para o outro, sem desviar o olhar. Para os samurais, isso significa enfrentar os problemas de frente, no combate ou na vida. “Nós agimos nas aulas como se estivéssemos no mundo dos antigos samurais. Nos cumprimentamos com reverência e não conversamos. Buscamos e repassamos aos alunos as origens dos mestres”, explica Kishikawa.

Todo esse rigor em sala de aula tem o seu valor. Os discípulos acabam incorporando o Bushidô, o código de ética dos samurais. O respeito e a solidariedade com o próximo saem de dentro da sala de aula e ganham as ruas. Os novos samurais são unânimes em dizer que levam para o dia-a-dia os ensinamentos do sensei. Até mesmo as crianças. “Eu hoje encaro as coisas com mais garra. Era muito tímido, ficava nervoso na hora de fazer uma prova da escola e agora me controlo melhor”, comemora Octávio Sakahara Saito, dez anos, que há dois faz parte do grupo. Outra luta de arte marcial que segue a filosofia samurai é o Kendo, uma variação mais moderna do kenjutsu, na qual os adeptos usam a mesma armadura e a mesma espada de bambu. “Nós também estamos preocupados com a formação do caráter do indivíduo, além do preparo físico, mental e espiritual”, diz Ciutoco Kojima, presidente da Confederação Brasileira de Kendo, que reúne 600 alunos em 30 academias do País. Nesses tempos difíceis, não é de estranhar a procura crescente pelo conhecimento dos antigos samurais. Esses guerreiros sabiam equilibrar, com sabedoria, o uso do corpo e da mente. E, para resolver muitos dos problemas atuais, falta exatamente isso.