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O Santos Futebol Clube, time do litoral paulista, está sendo reverenciado como nos tempos de Pelé. A diferença é que dessa vez são as mulheres que estão honrando a camisa alvinegra. A presença no clube de Marta e Cristiane, dois dos maiores talentos do futebol feminino da atualidade, trouxe brilho e visibilidade. Elas deixaram seus times nos Estados Unidos e ficam até o fim do ano no Brasil para apoiar a profissionalização do esporte no País, que atravessa sua melhor fase em termos financeiros e de estrutura.

Prova disso é que, no domingo 4, começa, no estádio Urbano Caldeira (a Vila Belmiro), em Santos, a primeira Copa Libertadores de Futebol Feminino. A partida de estreia é entre o dono da casa e o peruano White Star. A Copa do Brasil, em sua terceira edição, também está em andamento, com 32 times. Sinais de que o preconceito perde espaço – e as garotas começam a ganhar coragem para pedir aos pais o primeiro par de chuteiras.

Com expectativas positivas de público, a Libertadores reúne dez times da América Latina, campeões nas ligas nacionais de seus respectivos países, e será um divisor de águas para o esporte. Era, também, o que faltava para tornar possível um mundial interclubes. "Todos os continentes já organizavam competições regionais, menos o nosso", diz Marcelo Teixeira, presidente do Santos e conselheiro da Fifa, a federação internacional de futebol. Foi dele a sugestão, junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), de criar a competição.

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A disputa só é possível hoje porque a categoria evoluiu em seis anos o que não evoluiu em três décadas. Títulos da Seleção Brasileira como o bicampeonato nos Jogos Pan-Americanos (a final do Pan no Rio de Janeiro, em 2007, levou ao Maracanã 60 mil pessoas) e a prata na Olimpíada de Pequim no ano passado empolgaram as meninas e os patrocinadores. Em países como Estados Unidos, Suécia e Austrália o futebol sempre teve forte presença feminina. "A discriminação não deixou o esporte engrenar aqui", diz Kleiton Lima, técnico da equipe Sereias da Vila (nome que batiza a equipe santista) e da seleção feminina.

É de 1921 o primeiro registro de jogo feminino entre as senhoritas tremembenses e as senhoritas catarinenses. Mas uma lei de 1941, vigente até 1975, estabelecia que "às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza". A desculpa era comprometer a fertilidade devido às jogadas de impacto. Há duas diferenças físicas entre os sexos que influenciam o desempenho: "os homens têm mais glóbulos vermelhos, que aumentam a resistência, e mais testosterona, que melhora a velocidade", diz o fisiologista Turíbio Leite de Barros Neto, médico do São Paulo Futebol Clube e coordenador do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cemafe), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). As partidas femininas podem ser mais lentas, com menos explosão, mas nada tem a ver com determinação e técnica.

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É preciso, agora, investimentos. Nos anos 80, a modalidade existiu nos grandes clubes. A falta de divulgação, porém, impediu a conquista de patrocínios. E ninguém queria ficar no vermelho para sustentar o que não dava retorno financeiro. Estrutura para treinos e remuneração eram precários. O Santos foi um dos poucos a acreditar nas mulheres. "Durante dez anos tiramos dinheiro de outros departamentos para manter o feminino", diz Teixeira. A decisão parece ter sido acertada. Os jogos com as Sereias já dão lucro. Nas categorias de base e nas escolinhas, o time prepara 800 meninas a partir dos 9 anos. Entre outros times que investem no esporte para as garotas estão o Juventus, de São Paulo, o Atlético Mineiro, de Minas Gerais, e o Sport, de Pernambuco.

Atualmente, os contratos permitem às jogadoras viverem da modalidade. Não é o salário recebido pelas americanas e nem chega perto dos R$ 24 milhões por temporada que o jogador Kaká recebe no Real Madrid, da Espanha. Mas há benefícios como o bolsa-atleta em universidades e os planos de saúde. Mais do que isso: elas se sentem motivadas a competir graças a um calendário em estruturação com campeonatos de padrão elevado. Ainda é pouco. Marta avisou que no final de 2009 deixa o País para se dedicar à liga americana, mais competitiva.

O mesmo fará a jogadora Cristiane. "No momento, jogo no meu país para ajudar a divulgar o esporte", diz a atleta. "Mas como profissional ainda cresço lá fora, concorrendo contra equipes de ponta." O torcedor também precisa de rivalidade. É um incentivo para ele acompanhar os jogos e ir ao estádio. Mas ainda é necessário dar mais condições para as atletas desenvolverem toda sua capacidade de rendimento. Com estrutura, novos talentos despontam – e as estrelas voltarão para ficar.

FOTO: CESAR GRECO/FOTOARENA/FOLHAPRESS