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Na semana em que venceu o prazo para mudança de partido, o presidente do Senado, José Sarney, não assinou nenhuma ficha de filiação. Continua no PMDB, exatamente onde está desde 1984, quando se lançou a vice na chapa à Presidência da República encabeçada por Tancredo Neves. Mas foi autor de uma cambalhota ideológica muito mais radical do que a mera troca de legenda.

Depois de anos e anos de críticas à atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o velho político maranhense sofreu uma súbita guinada de opinião.

Na terça-feira 29, Sarney recebeu em seu gabinete representantes da Frente Parlamentar da Terra, liderados por parlamentares do PT e do PSOL, e fez uma veemente defesa do MST. "Sou contra a criminalização do movimento dos semterra e apoio a construção de uma proposta que represente o aumento de recursos para a implementação de uma meta ousada de assentamentos no campo", disse o senador, frisando que é contra o que passou a chamar recentemente de "demonização do MST".

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"Sou contra a criminalização do movimento sem-terra"
José Sarney, senador (PMDB-AP)

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O novo figurino político de José Sarney deixou perplexa a bancada ruralista do Congresso. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), uma das mais dedicadas defensoras do agronegócio, afirmou à ISTOÉ que não está entendendo a metamorfose de Sarney. "Sinceramente não consigo compreender. É no mínimo curioso. Talvez ele esteja resgatando alguma dívida", diz. Há um mês, o PT ajudou Sarney a escapar do conselho de ética, onde foi julgado por decoro parlamentar depois do escândalo dos atos secretos. "Pouco tempo atrás, o MST estava em torno do governador Jackson Lago, contra a Roseana, filha do Sarney", lembra Kátia. As surpresas começaram, na quarta-feira 23, quando a senadora encontrou o presidente do Senado na entrada do plenário. Ela pediu a Sarney que fizesse naquele dia a leitura do requerimento de abertura da CPI Mista do MST.

Num tom amistoso, Sarney respondeu: "Não podemos acabar com o MST." Mas, minutos depois, o senador fez um apaixonado discurso contra a CPI e em defesa do MST. "E eu achava que ele estava brincando. [João Pedro] Stédile e Sarney é uma dupla interessante", constata Kátia, referindose ao líder do MST. Para decepção ainda maior dos ruralistas, 45 parlamentares retiraram a assinatura do requerimento da CPI. E o trabalho agora tem de recomeçar do zero.

Já Sarney parece feliz da vida na nova roupagem. Na reunião em seu gabinete, em que foi entregue o manifesto a favor do MST, estavam presentes representantes da CNBB e da Pastoral da Terra, entre eles o bispo emérito de Goiás Velho, dom Tomás Balduíno. Sarney garantiu que, mesmo que os ruralistas recuperem as assinaturas, fará o possível para adiar a leitura do requerimento. "Os propositores da CPI me pressionam para fazer a leitura, mas não sei quando vou fazer isso", confidenciou.

Entre os presentes encontrava-se Augusto Chagas, presidente da União Nacional dos Estudantes, entidade que há três meses fez barulhenta manifestação no Senado, pedindo a saída de Sarney. A exemplo do senador, a UNE também virou de ponta-cabeça. Chagas fez questão que os fotógrafos registrassem seu abraço em Sarney. Só faltou um brinde ao novo companheiro de luta.

45 parlamentares
retiraram suas assinaturas no requerimento para a criação da CPI Mista do MST que investigaria as invasões de terra e transferências de recursos para o movimento

FOTO: ANTONIO CRUZ/ABA; ROBERTO STUCKERT FILHO/PA


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