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O capitão do cruzeiro Costa Concordia, Francesco Schettino, permaneceu sobre um dique da ilha italiana de Giglio olhando afundar a embarcação que tinha abandonado antes de concluir a retirada dos passageiros, disse a juíza Valeria Montesarchio. A conclusão da juíza está na ordem ditada na tarde de terça-feira (17) para a prisão domiciliar do capitão. O resultado é baseado nos testemunhos que foram recolhidos na investigação pelo acidente marítimo.

A juíza considera, além disso, que existem "graves indícios" dos três delitos dos quais Schettino é acusado: o de abandono do navio, homicídio culposo múltiplo e naufrágio. Pelo menos 11 pessoas morreram e outras 22 continuam desaparecidas após o naufrágio do cruzeiro, na noite de sexta-feira (13), no qual viajavam mais de 4 mil pessoas.

No entanto, a juíza estabelece na ordem que não há indícios sobre uma tentativa de fuga nem de contaminação de provas por parte do capitão, como sustentam os fiscais, e por isso dita a prisão domiciliar e despreza o pedido do promotor Francesco Verusio, que pedia prisão cautelar. A magistrada acredita que "de todas as investigações realizadas após o acidente marítimo resulta a conduta culposa atribuída ao comandante, que mediante uma manobra gravemente imprudente aproximou o navio excessivamente do litoral da ilha de Giglio, com uma mudança da rota".

Sobre isso, afirma que o capitão admitiu durante o interrogatório ao qual se submeteu na sede do Tribunal de Grosseto, "a aproximação (do navio) a 0,28 milhas de distância do litoral". "É evidente e indiscutível a grave evidência e incompetência que ajudou a conduta do capitão" diz o documento emitido pela juíza, que acrescenta que existiu uma subvalorização da magnitude do dano que tinha sofrido o navio após colidir com a formação rochosa.

Montesarchio afirma que o capitão "não tinha como não perceber a importância do dano" e insiste que demorou entre 30 e 40 minutos a dar o sinal de alarme, sem que antes tivesse advertido às autoridades litorâneas para dar a entender a gravidade da situação. Sobre o abandono do navio por parte de Schettino, um aspecto que levantou a polêmica na Itália, a juíza indica que o capitão deixou a embarcação quando estavam a bordo "pelo menos 100 pessoas".

A juíza explica, além disso, que Schettino testemunhou que o abandono do navio não foi "voluntário", mas pelas condições nas quais se encontrava, era "necessário", embora a juíza destaque que outros oficiais permaneceram a bordo para coordenar os trabalhos de retirada dos passageiros. "Embora fosse verdade a necessidade objetiva do desembarque não houve nenhuma tentativa de voltar às proximidades do navio por parte do capitão nas fases imediatamente posteriores ao abandono do Costa Concordia", afirmou a juíza. 

Comandante que discutiu com capitão vira herói

A discussão indignada entre o comandante Gregorio De Falco, da Capitania dos Portos de Livorno, e o capitão do Costa Concordia, Francesco Schettino, que deixou o navio antes da retirada de milhares de pessoas, foi escutada na terça-feira por toda a Itália, que elevou o primeiro à categoria de herói.

O diálogo entre o capitão, de 52 anos, que fugia do acidente por volta das 23h30 local em um bote salva-vidas e o comandante de Livorno, de 46 anos, que, imperiosa e taxativamente, ordenava seu retorno ao navio para socorrer milhares de homens, mulheres e crianças ocorreu à 1h46. 

No entanto, Schettino, que afirmava o tempo todo estar no comando da embarcação, embora depoimentos de um cozinheiro o situavam em um bar esperando uma bebida ao lado de uma mulher, não voltou ao cruzeiro, onde até as 3h da madrugada houve passageiros a serem resgatados. 

"Escute, Schettino", disse De Falco, "há pessoas presas a bordo. Dirija-se com seu barco abaixo da proa do navio pelo lado direito. Suba a bordo pela escada de corda e me diga quantas pessoas há lá. Está claro?".  Com uma voz apagada, o capitão do cruzeiro respondeu: "Mas se dá conta que aqui está tudo escuro e não vemos nada?". 

"E quer voltar para sua casa, Schettino?", perguntou De Falco irritado e levantando a voz. "Está escuro e quer voltar para sua casa? Pegue o bote, vá até a proa do navio e diga-me o que se pode fazer, quantas pessoas estão lá e o que precisam. Está claro?". 

"Suba a bordo!", ordenou com voz firme, indignada, apaixonada, uma frase que ressoou nas casas italianas. O diálogo, que foi reproduzido por todos os meios de comunicação durante a terça, não deixou os italianos indiferentes e as redes sociais estão saturadas nesta quarta-feira com o nome do herói que nunca quis sê-lo. 

De fato, na noite da sexta-feira De Falco chorou de raiva quando ficou claro que no interior do navio haviam ficado presos homens, mulheres, portadores de deficiência física e talvez algumas crianças. Cerca de 300 pessoas que foram abandonadas a bordo por Schettino, segundo a acusação. Chorou de raiva, segundo contaram seus subordinados aos meios de comunicação, ao pensar no caráter "desumano" do capitão. 

No entanto, De Falco pediu aos jornalistas que se esqueçam dele. Sua missão é e foi a de "socorrer". Por outro lado, o comandante considera que o verdadeiro herói é seu subcomandante, Alessandro Tosi, que às 22h07 local lhe disse: "Comandante, aquele cruzeiro está indo devagar demais, 6 nós (menos de 2 km/h). O que faz a 6 nós em uma rota invertida? Há um problema". 

De Livorno ligaram para a ponte de comando do Costa Concordia para esclarecer as razões da lenta navegação da embarcação: "É só um problema técnico", respondeu o capitão. Já na conversa da madrugada, o comandante De Falco, segundo explicou, percebeu pela voz de Schettino que estava mentindo e escutou os gritos distantes das pessoas que pediam socorro. "Abandonar é mais do que desertar, é trair o Código Marítimo", disse De Falco. 

"Não queria fugir, caí em um barco de salvamento", argumentou Schettino, acrescentando que "tentou salvar todos". "Nem sequer coloquei o colete salva-vidas porque serviria para outras pessoas", alegou. 

Tanto o capitão do navio, natural de Meta di Sorrento, como De Falco, nascido em Nápoles, são marinheiros da região da Campânia, ao sul da Itália. "Para nós é a ofensa mais dura porque há tantos marinheiros campanos que são como De Falco dos quais ninguém fala, tantos marinheiros valentes que não se comportam como o comandante Schettino e não merecem esse rótulo", disse Raffaella, esposa do comandante "herói" ao jornal "Corriere della Sera". 

Tudo indica que a frase "Suba a BORDO!" entrará para a história do acidente, uma tragédia na qual os italianos encontraram um gesto que neutraliza a péssima atuação de seu compatriota, o capitão napolitano. O lema já está impresso em camisetas divulgadas nas redes sociais. 

"De Falco for president", dizem frases postadas no Twitter, "Santo Já", "Eu o quero como presidente do Conselho", "Vá à minha casa, a porta para o senhor estará sempre aberta" são algumas das mensagens que circulam pela internet sobre o novo herói, que jamais pisou no Concordia.