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Vinte e três de agosto de 2470 a.C. Eis a data do início da construção da pirâmide de Quéops, segundo estudo divulgado na semana passada e conduzido por um time de arqueólogos e astrônomos egípcios. Erguida para ser a morada final do faraó de mesmo nome, a edificação é a última remanescente das sete maravilhas do mundo antigo e a maior entre as três pirâmides de Gizé – Quéfren e Miquerinos estão localizadas ao seu redor, nas cercanias da atual cidade do Cairo.

Os pesquisadores, liderados por Abdel-Halim Nur El-Din, ex-chefe do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, chegaram a essa conclusão depois de uma complexa viagem no tempo. Por meio de modelos criados em computador, os astrônomos são capazes de simular a posição dos astros em qualquer data do calendário – no passado, no presente e no futuro.

Como os faraós costumavam iniciar suas obras no primeiro ano de seus reinados, sempre 35 dias depois do aparecimento da estrela Sirius no horizonte, os arqueólogos fecharam a conta e determinaram que Quéops (ou Khufu, para os egípcios) teria iniciado a construção exatamente naquela data.

O problema é que tal teoria e as razões que motivaram a pesquisa são altamente questionáveis.

"Todas as datas anteriores a 600 a.C. são incertas quando se fala de Egito. Todos os faraós zeravam o calendário ao começarem seus reinados, o que leva a uma imprecisão enorme", diz Antônio Brancaglion, egiptólogo e professor do Museu Nacional da UFRJ.

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Ele concorda em parte com a teoria dos pesquisadores egípcios, mas afirma que é praticamente impossível cravar o ano em que Quéops chegou ao poder. Além disso, não há garantias de que a grande pirâmide tenha sido a primeira a ser erguida em seu reinado. "Teríamos de conseguir indícios e fontes históricas mais confiáveis para afirmar algo assim. Infelizmente, quase todos os registros desapareceram", diz Brancaglion. Ele lembra que algumas informações sobre a construção da pirâmide foram gravadas pelos operários em seus blocos de calcário, mas nenhuma data pode ser determinada com certeza absoluta. Por outro lado, outros especialistas já levantaram mais um problema técnico: e se a noite inicial do ciclo visível de Sirius no primeiro ano do reinado de Quéops tiver sido nublada? Tal distorção poderia ter adiado os trabalhos facilmente em um dia ou mais.

A relação entre civilizações antigas e Sirius, a mais importante estrela da constelação de Cão Maior, é notória. Além dos egípcios, o astro mais brilhante do céu noturno fascinava gregos, romanos e polinésios, entre outros. Seu reaparecimento, depois de 70 dias de ausência anual, era celebrado com rituais e cerimônias repletas de simbolismo. No Egito antigo, o retorno de Sirius marcava o início de um novo ano e indicava a chegada da estação das chuvas, além do aumento no nível das águas do rio Nilo.

Há tempos a atual postura dos egípcios em relação a seu patrimônio histórico tem sido alvo de críticas por parte da comunidade arqueológica mundial. O maior motivo para tanto é a atuação do polêmico Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, o mesmo que exigiu o retorno ao país de relíquias expostas em museus europeus, como o busto de Nefertiti, a Pedra de Roseta e o obelisco do templo de Luxor. Hawass também é criticado por tentar proibir novas escavações de grupos estrangeiros e pela sua aparição excessiva em documentários para a tevê, nos quais quase sempre é a maior estrela. O mundo espera que o novo estudo egípcio não tenha sido apenas mais uma tentativa de se fazer muito barulho por nada.


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