Brasil

Campo minado
Parlamentares não se entendem e disputa pela presidência do Senado vira uma guerra de dossiês

Mino Pedrosa

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No final da tarde da quartafeira 5, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou para uma conversa os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Falaram sobre a disputa que vem sendo travada pelas presidências da Câmara e do Senado. Lula pediu aos senadores que procurassem pautar a disputa no Legislativo pela busca do entendimento. É que a briga pela presidência do Congresso transformou o Senado em um campo minado e Lula teme que a disputa possa trazer rachas irreversíveis na base de apoio do governo, principalmente depois das eleições municipais que colocaram o PMDB como forte atrativo também para a oposição. O debate no Congresso tem passado longe das idéias e acabou se transformando em uma baixa guerra de dossiês, investigações da Polícia Federal, racha nos partidos e troca de votos por promessas de cargos no governo.

Na última semana, circularam por diversos gabinetes do Senado uma série de documentos para comprometer o senador Tião Viana (PT-AC), um dos candidatos à presidência do Senado. São papéis que sugerem irregularidades nas relações do ex-governador Jorge Viana, irmão de Tião, com empresários que forneciam serviços ao seu governo no Acre. Também listam nomeações que teriam sido promovidas pela família Viana no Ministério da Saúde. Além disso, os documentos ainda comprometeriam o suplente de Viana. "É duro saber que o Senado, que foi marcado por pessoas ilustres, como Mário Covas, Teotônio Vilela e outros, estejam acontecendo essas baixarias de dossiês", desabafou Viana. Irritadíssimo, tão logo tomou conhecimento da documentação, telefonou para o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Perguntou se a papelada tinha saído de seu gabinete. Delcídio, que também planeja presidir o Senado, negou e disse que um assessor havia tido acesso ao mesmo material.

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Além de negar ser o autor da baixaria contra Viana, Delcídio assegurou ao colega que ele também tem sofrido os mesmos tipos de ataques. É verdade. O comentário entre diversos senadores é de que existe um documento contra Delcídio. Trata-se de uma papelada já utilizada na campanha eleitoral em Mato Grosso do Sul, acusando-o de participar de um esquema de "caixa 2" flagrado pelo Ministério Público.

Sarney é outra vítima de ameaças veladas. Desde que Renan lançou-o como candidato do PMDB e ganhou o apoio do PSDB e do DEM, começaram a circular informações de investigação da PF sobre Fernando Sarney, o filho mais novo do senador, responsável pela gestão dos negócios da família no Maranhão. Sarney reclamou com o presidente Lula e chegou a pedir a substituição do ministro da Justiça, Tarso Genro, responsável pela PF. O ministro afirmou que não há na Polícia Federal nenhuma investigação que tenha o objetivo de influir nos rumos da política. Dias depois, Sarney recebeu a informação de que a senadora Idely Salvatti (PT-SC) tem bom trânsito com o diretor da PF e que poderia estar por trás do vazamento das informações contra Fernando Sarney. A senadora nega.

Na verdade, a postura da dupla Renan-Sarney no Senado bate de frente com os interesses do presidente do partido, Michel Temer, que ambiciona se eleger presidente da Câmara. O jogo dos peemedebistas no Senado embaralha a sucessão na Câmara. Quando o deputado petista Arlindo Chinaglia (SP) elegeu-se presidente da Casa, há dois anos, estabeleceu-se um acordo para que ele agora fosse substituído por Temer. Mas o PMDB se comprometeria a não acumular a presidência do Senado. Não é o que está ocorrendo, ainda mais depois que o partido se tornou o maior vencedor das eleições municipais.

Se o PMDB quebrar o acordo no Senado, pode levar o PT a fazer o mesmo na Câmara e entregar a sorte de Temer ao chamado baixo clero, como já ocorreu com a eleição de Severino Cavalcanti, quando o PT insistiu em manter uma candidatura própria. Ao chamar os senadores peemedebistas em seu gabinete, na quarta-feira 5, Lula quis mostrar para o PT que a dobradinha Sarney-Renan é fundamental para o governo.

Se forem mesmo quebrados os acordos entre o PT e o PMDB, quem pode lucrar é o deputado Ciro Nogueira (PP-PI). Ele é candidato independente à sucessão de Chinaglia, com apoio do baixo clero. Lula já escalou Renan para tentar convencer Nogueira a desistir da disputa. Ele, no entanto, não parece disposto a abrir mão. Na Câmara, Nogueira é comparado a Odorico Paraguaçu, o prefeito da fictícia Sucupira, na novela O Bem- Amado, pois é acostumado com os meandros e as mazelas da política interiorana. Como Odorico, Nogueira costuma ofertar aos seus pares regalos, tais como garrafas de champanhe francês Veuve Clicquot, com um cartão personalizado, na data do aniversário. Também cultiva o hábito de oferecer no final das tardes um lanche em seu gabinete, aparado em toalha de linho rendada. O presidente Lula ofereceu a Nogueira o Ministério das Cidades, já que o deputado tem pretensões de governar o Piauí em 2010. O convite de Lula mexeu um pouco com ele, mas o deputado afirma não estar disposto a abrir mão do parlamento. Agora, o presidente joga as fichas em Renan e Sarney para tentar pacificar o Senado e por tabela a Câmara.