O representante do Brasil na entidade diz que ela é dominada por velhas potências e falhou ao monitorar centros financeiros

Entrevista

”O FMI precisa se democratizar"
O representante do Brasil na entidade diz que ela é dominada por velhas potências e falhou ao monitorar centros financeiros

por Octávio Costa
 

A indicação do professor Paulo Nogueira Batista Jr. para diretor-executivo do Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, em abril de 2007, causou celeuma. O que iria fazer no FMI o economista da FGV/SP, simpatizante declarado do desenvolvimentismo? Hoje, a pergunta não faz sentido. Em plena crise econômica internacional, os sinais mudaram. Batista Jr. deixou de ser um peixe fora d’água no FMI e acaba de ser reeleito para um mandato de dois anos. Agora, estão em voga no Fundo exatamente as idéias que o inglês John Maynard Keynes defendeu nos anos 40, como a liberação quase automática dos recursos do FMI para ajuda a países em dificuldades. Firma-se um consenso mundial de que os órgãos multilaterais têm de passar por ampla reforma e discute-se a oportunidade de construir uma nova ordem mundial. "O FMI é uma instituição dominada pelas velhas potências", afirma Batista Jr. "E falhou no monitoramento dos centros financeiros avançados.

O trabalho do representante brasileiro ganhou maior visibilidade nas últimas semanas, principalmente porque o Brasil prega a reforma do FMI e a troca do G-7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido) pelo G-20 (países do G-7 mais 12 emergentes, como Brasil, China, Índia, Rússia, África do Sul, e União Européia). "Modestamente, estamos recuperando algumas das idéias de Keynes", explica Batista Jr., em entrevista à ISTOÉ.

ISTOÉ – ISTOÉ – O que significa para o Brasil o resultado das eleições americanas?
Batista Jr

Paulo Nogueira Batista Jr. – É difícil dizer, porque o tema América Latina, Brasil, teve pouco peso nos debates. Não há uma visão muito clara, para além de pontos muito gerais, sobre o que se pretende em matéria de relações com a América Latina.

ISTOÉ – ISTOÉ – Mas o que se pode esperar do novo governo americano?
Batista Jr

Batista Jr. – Estamos numa situação peculiar, no meio da maior crise financeira desde os anos 30, com epicentro aqui nos EUA, e um governo em fim de mandato e muito enfraquecido pela própria crise e por seus erros de política econômica, pelos erros de política externa.

Essa configuração muda a partir do momento em que os EUA tiverem um novo governo. A esperança é que o novo governo consiga articular uma solução para a crise americana, que reduza os estragos no resto do mundo.

ISTOÉ – ISTOÉ – Essa esperança é real ou apenas um desejo?
Batista Jr

Batista Jr. – Hoje, países com políticas econômicas essencialmente sólidas, como o Brasil e outros, estão sofrendo contágio dos efeitos financeiros de uma crise que foi produzida aqui e também na Europa Ocidental.

Como os Estados Unidos ainda são o país mais importante do mundo, a linha de política econômica que o novo presidente vai seguir será de enorme importância.

ISTOÉ – ISTOÉ – E qual é a sua expectativa em relação à crise? O pior já passou?
Batista Jr

Batista Jr. – Houve um princípio de estabilização dos mercados financeiros nos Estados Unidos e na Europa depois das intervenções, quase simultâneas, dos governos há poucas semanas, com a recapitalização de bancos e a garantia de linhas interbancárias, além da provisão maciça de liquidez pelos bancos centrais. Mas ninguém sabe se novos problemas financeiros poderão emergir mais à frente. E se a calmaria é temporária.

ISTOÉ – ISTOÉ – Mas o que continuaria a preocupar?
Batista Jr

Batista Jr. – A turbulência já se propagou muito claramente para a economia real dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Tem-se um quadro em que os países desenvolvidos ou estão em recessão ou entrando em recessão. Se a recessão for mais funda, ela poderá se refletir no sistema financeiro e reacender a crise financeira. Além disso, a crise se espalhou muito claramente para a periferia, atingindo economias sólidas, como Coréia do Sul, Rússia e, em menor medida, o Brasil e o México.

ISTOÉ – ISTOÉ – Alguns países, por sinal, tiveram de recorrer ao FMI.
Batista Jr

Batista Jr. – É verdade. Até meados de 2008, o Fundo estava emprestando muito pouco. Mas o quadro mudou. Um número razoável de países está pedindo socorro ao Fundo. Os casos mais conhecidos, em final de negociação, são a Hungria, a Ucrânia e a Islândia. E outros países estão em fase de entendimento.

ISTOÉ – ISTOÉ – O FMI sempre acompanhou com sintonia fina as economias de países emergentes. Por que ele não agiu da mesma forma com os países desenvolvidos?
Batista Jr

Batista Jr. – Há um grande debate sobre isso. Na minha opinião, o Fundo falhou em relação a essa crise. O monitoramento dos centros financeiros avançados não foi adequado e a instituição não teve uma visão clara da crise que se estava avizinhando aqui, nos Estados Unidos e na Europa. A cadeira do Brasil no Fundo tem defendido que se aprimore o monitoramento dos centros financeiros avançados. O poder de influência do Fundo sobre esses países é muito menor, porque eles são emissores de moeda-reserva internacional e não precisam dos empréstimos do FMI.

ISTOÉ – ISTOÉ – O FMI poderia servir de anteparo para os países em desenvolvimento?
Batista Jr

Batista Jr. – Claro. No auge da crise, o Fundo resolveu reativar o Emergency Finance Mechanism, um procedimento que permite agilizar as linhas de financiamento que já existem. Os volumes dos empréstimos são mais significativos em relação às cotas, e grande parte dos desembolsos é feita no início do programa. Outra decisão importante foi a criação da nova linha especial de liquidez, que não exige as condicionalidades tradicionais e estará disponível para países que tenham uma trajetória forte em termos de política econômica comprovada. Os países poderão tomar empréstimos de até 500 vezes a sua cota.

ISTOÉ – ISTOÉ – O Brasil pode se beneficiar?
Batista Jr

Batista Jr. – Pode, mas não pretende. O Brasil teve uma participação intensa nessa discussão dentro do Fundo. O ministro Guido Mantega lançou a idéia na reunião de primavera do FMI. Nós entendemos que a crise é muito grave e o Fundo precisava ir além. Mas acho que ficaram faltando duas coisas: 500% da cota pode ser insuficiente e três meses para o pagamento, mesmo renováveis, é um prazo muito curto. As crises de liquidez costumam durar mais do que isso.

ISTOÉ – ISTOÉ – É o momento de se discutir uma revisão da ordem econômica mundial e o redesenho de instituições como o FMI, o Banco Mundial?
Batista Jr

Batista Jr. – Acho que sim, mas a minha impressão é que há muita retórica quando se fala numa Bretton Woods 2. No FMI, nós fizemos uma reforma de cotas e votos no início do ano, quando se ampliou a participação do Brasil e dos países em desenvolvimento. Mas de maneira ainda insuficiente. O FMI tem um déficit democrático que ainda precisa ser resolvido, para que ele possa ser uma instituição representativa e legítima. Fizemos a reforma de abril, mas a próxima etapa da nova estrutura de votos será somente em 2013.

É preciso que se antecipe essa segunda etapa para 2009. É uma opinião pessoal.

ISTOÉ – ISTOÉ – Como ficou a questão dos vetos?
Batista Jr

Batista Jr. – Só os Estados Unidos têm poder de veto, porque muitas decisões exigem 85% dos votos ponderados e os EUA têm 17%. Os europeus, em bloco, somam mais de 30%. O FMI ainda é uma instituição dominada pelas velhas potências. Nós demos um passo para diminuir esse controle com a reforma deste ano, mas é um primeiro passo apenas. Se o Gordon Brown e o Nicolas Sarkozy estão falando sério sobre a edição de uma nova Bretton Woods, no meu entender, eles têm que pôr na pauta a antecipação da segunda etapa da reforma do FMI.

ISTOÉ – ISTOÉ – É verdade que Lord Keynes defendeu, na reunião de Bretton Woods, a criação de um banco central mundial?
Batista Jr

Batista Jr. – Não. Keynes queria que o FMI funcionasse de uma maneira mais equilibrada, mais ágil, quase automática. Ele defendia a criação de uma moeda própria de importância internacional, que era o direito especial de saque, que nunca funcionou totalmente. O termo dele era o bancor (moeda emitida pelo fundo para transações entre os bancos centrais); modestamente demos um passo na direção do modelo.

ISTOÉ – ISTOÉ – Há um revival das idéias de Keynes?
Batista Jr

Batista Jr. – A crise provocou uma nova ênfase nas idéias dele. Nunca o mundo esteve numa situação tão parecida quanto à dos anos 30.

Claro que não é idêntica. É natural que a grande cabeça daquela época, que formulou reações à crise de maneira convincente, seja lembrada. Keynes foi um dos fundadores do FMI. Quando se fala em Breton Woods, a pessoa mais importante foi Keynes. Ele não conseguiu prevalecer porque o poder estava com os americanos, mas, modestamente, estamos recuperando algumas idéias do Keynes.

ISTOÉ – ISTOÉ – O que se pode esperar da reunião do G-20 em São Paulo?
Batista Jr

Batista Jr. – É muito importante porque estarão reunidos países que representam todos os cantos do mundo num foro mais amplo do que o G-7. O G-20 ganhou súbita relevância. Era um fórum de secretários e diretores dos bancos centrais, mas, com o agravamento da crise, houve uma reunião ministerial extraordinária do G-20 em Washington, durante as reuniões do Banco Mundial, o que deu um upgrade ao grupo de países, tanto que o presidente Bush compareceu.

ISTOÉ – ISTOÉ – Qual o próximo passo?
Batista Jr

Batista Jr. – O passo seguinte de valorização é a reunião do próximo dia 15, em Washington. Pela primeira vez, o G-20 se reunirá em nível presidencial. O equilíbrio da economia mundial mudou, os países da periferia cresceram muito, a mentalidade tradicional de se resolver tudo em circuito fechado do G-7 não funciona mais. É importante substituir o G-7 pelo G-20, em nível presidencial.