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TRAGÉDIA
Edézio levou as filhas e a mulher grávida para o carro a fim de fugir do
deslizamento. A casa ficou intacta e o veículo foi engolido pela lama

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O Fusca tinha sido comprado no sábado 7. Custara R$ 1 mil – pouco para muitos, mas muito para Francisco Edézio, 46 anos, que trabalhava em serralherias como temporário. Com a bateria arriada, tão cedo o automóvel não levaria alguém a lugar algum. Foi dentro do carro, porém, que Edézio e a família acabaram mortos na madrugada de segunda-feira 9, em Sapucaia, no centro-sul do Estado do Rio de Janeiro. Chovia forte e por volta das 4 horas um estrondo fez com que as luzes se apagassem e os vizinhos saíssem correndo de suas casas, construídas em cima de um barranco próximo a uma pedreira. Em busca de um lugar seguro, Edézio levou a mulher, Valdinéia Lopes, 39 anos, as filhas, Franciane, 15, e Vitória, 18, além do cunhado Sebastião Lopes, 50, para dentro do veículo. Desafortunadamente, a barreira que despencou logo depois soterrou o carro. Matou também um bebê que nem chegou a nascer: Valdinéia estava grávida de três meses de um menino que já tinha até nome escolhido, Breno. No deslizamento, nove casas foram atingidas e, por ironia, a de Edézio foi uma das poucas que ficaram intactas, embora esteja interditada.

“Foi tudo muito rápido. As pessoas gritavam e choravam pelas ruas, estava todo mundo transtornado”, disse a dona de casa Maria Lúcia Aristides Egídio, 31 anos, uma das vizinhas de Edézio. A pequena Sapucaia, com cerca de 17 mil habitantes, é, até agora, o local onde mais morreu gente vítima dos deslizamentos causados pela chuva deste verão. As buscas foram encerradas na noite da quinta-feira 12, com um total de 22 corpos encontrados. O pior é que a tragédia era previsível, já que as chuvas de verão têm castigado o Rio de Janeiro ano após ano. Mas Sapucaia não integrava a lista dos 31 municípios apontados como prioridade no mapeamento das áreas de risco pelo Serviço Geológico do Estado. Segundo Agostinho Guerreiro, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), mesmo a iniciativa do mapa de risco não evitaria os desabamentos. “Não adianta só fazer mapeamento, é preciso investir em obras de prevenção”, afirma. O órgão apontou, em relatório divulgado na semana passada, negligência do poder público. Após vistoria nos municípios mais atingidos pelas enchentes de 2011, observa que, das 170 áreas indicadas como de alto risco de deslizamento na região serrana, somente oito têm obras de recuperação iniciadas. “É necessário o envolvimento do governo federal e estadual. A maioria das prefeituras não tem um corpo técnico forte nem condições financeiras de arcar com as obras” , diz Guerreiro.

Na quinta-feira 12 houve cerimônias na região serrana do Rio em intenção das quase 900 pessoas mortas há um ano nos deslizamentos ocorridos em Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. Um dos motivos da tragédia ainda permanece, o desmatamento e degradação ambiental que facilitam desabamentos e alteram o regime de chuvas. “O que chovia em um mês agora chove em dois dias e em áreas menores. E essa mudança está relacionada à degradação”, diz o professor de engenharia geotécnica da Universidade Federal Rio de Janeiro, Mauricio Ehrlich. Além de evitar mortes, a mudança de paradigma geraria economia ao Brasil, como afirma a seguradora Swiss Re. Segundo a empresa, os prejuízos com as enchentes giram em torno de US$ 1,4 bilhão por ano e podem atingir até US$ 4 bilhões em 2030.

Outros Estados que também estão sofrendo com chuvas, alagamentos e deslizamentos são Minas Gerais e Espírito Santo. Segundo dados oficiais, Minas Gerais teve o segundo maior volume de chuva para o período dos últimos 100 anos. A cheia dos rios que fazem divisa com o Estado do Rio de Janeiro causou o alagamento de Campos dos Goytacazes, deixando quatro mil pessoas desabrigadas. No Espírito Santo, uma estrada no interior de Linhares chegou a ser destruída por conta das chuvas que encheram o rio Doce.  

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