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CENA RARA
Prestes na Praia do Futuro, no Ceará: vida privada exposta

Durante os 40 anos em que foi casada com o líder comunista Luiz Carlos Prestes, dona Maria Prestes teve o cuidado de guardar em pastinhas a correspondência entre o “Cavaleiro da Esperança” e seus filhos, as cartas que ele trocava com correligionários e fãs, documentos sigilosos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e comentários manuscritos sobre fatos históricos, como o atentado à bomba do Riocentro, em 1981. Ela ainda arquivou fotografias de Prestes na intimidade do lar e de suas andanças pelo mundo. Parte desse rico acervo pessoal, que guardava em sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro, será doada ao Arquivo Nacional. “Já estou com idade avançada e não posso ficar com isso”, justifica a viúva de Prestes, que completa 82 anos em fevereiro. “Meus filhos e netos concordam com a doação. O ‘Velho’ (apelido dado pelos camaradas do partido) é um herói brasileiro e sua memória pertence ao povo.” As pastas com o material foram apresentadas durante cerimônia no Arquivo Nacional, na terça-feira 3, dia do aniversário do líder comunista. “Essa atitude da família Prestes é revestida de um simbolismo muito grande”, diz o diretor do instituto, Jaime Antunes da Silva.

Em 1952, a jovem Maria era uma militante comunista quando conheceu o então secretário-geral do Partidão, como o PCB é conhecido. O primeiro encontro se deu em um aparelho (local usado como esconderijo de militantes), em São Paulo. Maria era responsável por administrar alguns desses endereços e coube a ela, nessa função, cuidar do mais caçado dos comunistas brasileiros. O resultado desse encontro é um casamento que gerou nove filhos, 25 netos e nove bisnetos. E muita história, que agora será dividida com pesquisadores, historiadores e o público em geral. As negociações entre o Arquivo Nacional e a família Prestes foram iniciadas em 2010, quando a Federação Russa entregou ao governo brasileiro uma vasta documentação sobre Prestes que estava em Moscou. O material foi remetido à família, que liberou cerca de 20% dos documentos que detém, a maior parte deles datados entre 1970 e 1990. “A pasta das correspondências com os filhos e netos é impressionante”, diz Beatriz Moreira Monteiro, supervisora do Arquivo Nacional que vai formar uma equipe para catalogar e classificar os documentos. Em uma das cartas, um dos netos de Prestes lhe pede uma revistinha do Tio Patinhas. Não deixa de ser irônico o fato de o garoto ter encomendado a um comunista convicto uma revista em quadrinhos estrelada por um ícone capitalista americano.

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HISTÓRIA
O comunista no Azerbaijão, na década de 70, e a mulher Maria Prestes, com quem
viveu 40 anos: 
“A memória dele pertence ao povo”, diz ela

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A divulgação de documentos e fotos da vida privada de Prestes foi motivo de polêmica. A primeira filha, Anita, fruto do casamento dele com a comunista alemã Olga Benário, não gostou de ver o retrato do pai de sunga, descansando na Praia do Futuro, no Ceará – imagem essa que não consta do pacote de doações para o Arquivo Nacional e que foi cedida apenas para a capa da edição deste mês da “Revista de História da Biblioteca Nacional”. “Isso constitui um desrespeito à sua memória e à sua vontade, pois todos que com ele conviveram sabem que Prestes jamais concordaria com tal divulgação”, disse Anita, em nota. “Ele era um homem sóbrio, que não admitia confundir sua vida privada com sua atuação pública.” Dona Maria Prestes discorda. “Respeito a opinião dela, mas eu tenho a minha”, diz. “E quem viveu com Prestes os últimos 40 anos da vida dele fui eu.”

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