ilustra_paulo.jpg 

Emidio é um taxista da região do Venetto na Itália. Raimunda vende doces num mercado em Feira de Santana na Bahia. Ambos têm 60 anos. O italiano conta, num tom que mistura certa revolta com resignação, que, desde pequeno em sua cidadezinha, nos meses de verão todos saíam de férias. Era como se a pequena cidade fechasse para recarga das baterias. Cada família tinha o seu destino, um sítio de parentes, um hotelzinho à beira-mar em algum balneário, uma colônia de férias… Emidio conta que, por conta da compulsão pelo jogo, num determinado verão, seu pai perdeu as economias que financiariam as férias da família. Não viajar no verão era uma vergonha tão grande para o status da comunidade que o taxista, seus pais, a avó e duas irmãs trancaram-se em casa com uma reserva extra de alimentos e ficaram dez dias sem sair, para que os vizinhos não percebessem sua condição financeira precária naquele verão. Enquanto Emidio xinga os italianos do sul, a quem atribui 90% das mazelas do país, e blasfema contra Berlusconi, o euro e a máfia, Raimunda acaba de comprar malas boas pela primeira vez. A baiana já pagou seis das dez parcelas de um pacote que a levará a Fortaleza, onde se hospedará pela primeira vez num hotel, fará passeios de buggie, visitará museus e almoçará em restaurantes típicos de frente para o mar. Mas o que mais excita a própria Raimunda e seus filhos Jilvanete e Nonato é que os três voarão pela primeira vez em suas vidas. Ficaram um pouco frustrados ao descobrir que não existem mais passagens, apenas uma folha de impressora com seus nomes escritos e alguns códigos. Mas isso será o suficiente para servir como lembrança de uma conquista que Raimunda pensava que não alcançaria nesta vida. Sua irmã Vanusa vai buscá-la no aeroporto. É que este ano Dico, o marido de Vanusa, taxista como Emidio, conseguiu comprar o primeiro carro da família.

Pode ser um raciocínio simplista demais, que fará economistas darem piruetas dentro das próprias peles. Mas tomara que seja mesmo um ajuste do mundo isso a que estamos assistindo. Como se a água que antes ficava represada em certos açudes aqui e ali estivesse aos poucos encontrando frestas através das quais vai escorrendo e irrigando áreas que até então a seca teimava em judiar. Uma espécie de assentamento de placas tectônicas, uma acomodação natural, que não resulta de indivíduo ou de liderança nenhuma, mas que decorre do empurrão da natureza, que é mais forte que qualquer governo ou organização. Há mais de 2.500 anos, os budistas dizem que não há problema qualquer com as coisas, o dinheiro ou as riquezas materiais, desde que se lide com isso tudo como se deve lidar com a água. Entendendo que se trata da representação de uma energia nobre, que tem de ser limpa, que não deve ser represada ou acumulada excessivamente, cujos caminhos devem estar livres e desimpedidos e que deve nascer de uma origem pura e seguir seu rumo, irrigando e energizando todas as partes do todo.

Que 2012 possa ser um ano fértil, em que terrenos rachados e secos vejam o verde pela primeira vez com a chegada de um fio do líquido precioso, e os que antes tinham represas enormes e vistosas e muito mais do que podiam beber ou usar possam entender que viverão muito melhor se um pouco do seu excesso puder molhar as paragens dos vizinhos. 

Paulo Lima é articulista da ISTOÉ e fundador da editora Trip