A nave parou
Rodado em Joannesburgo, na África do Sul, a ficção científica mostra alienígenas isolados em uma favela (acima) sobre a qual fica estacionada, sem combustível, a sua nave-mãe

De tempos em tempos, Hollywood vê-se às voltas com filmes pelos quais ninguém dava nada – são produções estreladas por atores desconhecidos, feitas com pouco dinheiro, publicidade mínima e, algumas vezes, até provenientes de países sem grande competitividade na área. Foi assim em 1979 com "Mad Max", aventura australiana que lançou Mel Gibson ao custo de US$ 350 mil e faturou mais de US$ 100 milhões.

Nesta temporada de verão no Hemisfério Norte, quando são lançadas as grandes apostas dos estúdios, o azarão atende pelo nome de "Distrito 9" – ficção científica rodada na África do Sul e dirigida pelo cineasta estreante Neill Blomkamp, um canadense de origem sulafricana de 29 anos. Seu filme custou US$ 30 milhões e se pagou na primeira semana de exibição nos EUA. Há um mês e meio entre os títulos mais vistos nos cinemas americanos (chegou a derrubar do topo o blockbuster "G.I. Joe"), a produção já soma US$ 108 milhões em bilheteria e sai com o grande prêmio na mais disputada corrida do entretenimento global. Indicado por revistas especializadas como "Variety" e "Hollywood Reporter" com cotação máxima, o filme tem sido apontado como a mais criativa ficção científica da década e recebeu em coro um raro elogio: "Que venha o Distrito 10."

A brincadeira com o título da obra faz sentido. Logo no início da história, passada nos dias de hoje em Joannesburgo, na África do Sul, fica-se sabendo que o governo está construindo, por meio de uma empresa de segurança terceirizada, chamada MNU, uma espécie de campo de concentração batizado de Distrito 10. Seria destinado não a minorias étnicas, mas a milhões de extraterrestres. Esses seres cuja aparência se assemelha a um cruzamento de insetos e crustáceos (são chamados de "camarões") eram tripulantes de uma gigantesca nave espacial que estacionou sobre a cidade devido à falta de combustível.

Isso há 28 anos. Impossibilitados de voltar ao seu planeta, passam a viver em um gueto, o conjunto de favelas do Distrito 9 – mas, como entraram em conflito com os humanos, receberam a ordem de despejo pela tal MNU. À frente da comissão de desalojamento está um herdeiro da ideologia racista afrikander (descendentes de holandeses), Wikos van der Merwe (o estreante Sharlto Copley). Ele entra em contato com uma substância e passa por mutações. Começa, então, a ser perseguido pelos companheiros. Paralelamente, atua uma gangue de nigerianos que comanda um mercado negro de comida de gato – o alimento, adorado pelos ETs, é trocado por suas poderosas armas nucleares.

A reunião desses elementos poderia resultar numa maluquice adolescente. Mas "Distrito 9" (cujo lançamento no Brasil foi antecipado para o início de outubro) passa ao largo de "A Bruxa de Blair", outro azarão que assustou Hollywood no passado. Com muita inventividade, Blomkamp narra toda a operação em estilo documentário, com inserções jornalísticas à maneira da CNN.

A certa altura, ele envereda pela trama de ação de fundo psicológico, num encadeamento de situações que se acompanha com todo interesse. Blomkamp criou a história inspirado na sua infância sob o apartheid e nas recentes perseguições a imigrantes do Zimbábue e Malawi. Teve carta branca do produtor, Peter Jackson, de "O Senhor dos Anéis", para fazer o que quisesse – inclusive colocar como protagonista um amigo que nunca havia atuado. A sua parceria com um dos mais poderosos nomes da indústria do cinema vem desde o projeto de filmagem do videogame "Halo", que ele faria sob a chancela do mesmo Jackson.

Os estúdios Universal não se dispuseram a colocar tanto dinheiro nas mãos de um diretor inexperiente e o projeto foi engavetado. Com o estouro de "Distrito 9", devem estar revendo a decisão. Especialmente porque, enquanto o filme embolsa milhões de dólares, a maioria das caras produções com astros do calibre de Denzel Washington, John Travoltta, Eddie Murphy e Adam Sandler não têm rendido o esperado. E isso entre os meses de maio e setembro, período que responde por 40% das bilheterias do ano.