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Arte e Ciência Cena do filme "A Guerra do Fogo": a mulher é retratada como ser solidário e atuante

Esqueça a imagem do homem pré-histórico arrastando a sua parceira pelos cabelos para dentro da caverna – a cena imortalizada em cartoons e desenhos animados não combina nada com o papel da mulher primitiva real que se pretende retratar no livro "Sexo Invisível – O Verdadeiro Papel da Mulher na Pré-História" (Record), escrito pelos arqueólogos J. M. Adovasio e Olga Soffer e pelo jornalista Jake Page. Os dois cientistas coautores da obra são especialistas no estudo de artefatos perecíveis, como utensílios, cordas e todo tipo de tecidos, e há uma década publicam artigos que refutam teses tradicionais da paleontologia, as quais, eles acreditam, atribuem às mulheres uma participação mais passiva do que elas realmente tiveram nas sociedades primitivas. Segundo os estudiosos, seres humanos do sexo feminino caçavam, inclusive mamutes, e exerciam funções logísticas na organização dos espaços comuns, além de ter papel fundamental no desenvolvimento de rudimentos de linguagem.

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Precursora Daryl Hannah foi uma das primeiras atrizes a interpretar uma pré-histórica, no filme "O Clã dos Ursos das Cavernas": primitiva feminista

Para justificar os seus argumentos sem resvalar num libelo feminista radical, os autores, todos americanos, optaram por realizar uma bem-humorada revisão do conhecimento que se tem sobre as origens da espécie humana. Eles afirmam que boa parte das pesquisas que definem a atuação da mulher nas comunidades primitivas foi elaborada em meados do século passado por estudiosos que, mais de uma vez, recorreram aos seus próprios códigos de valores na hora de interpretar um achado arqueológico. Um exemplo: o paleontólogo americano Don Johanson, que encontrou os fósseis de Lucy, deduziu que se tratava de uma fêmea apenas pelo fato de ela ser pequena e de ter ao seu lado um hominídeo macho. E daí surgiu toda uma teoria de que no local vivera uma família. O livro reproduz um artigo em que o próprio Johanson admite que não era possível ter certeza científica de que o fóssil pertencera a um ser do sexo feminino.

Mesmo assim, em 1982, o pesquisador Owen Lovejoy publicou na prestigiada revista "Science" o artigo: "The Origins of Men", tomando por base, entre outros aspectos, o sítio arqueológico onde Lucy fora achada. E o transformou na própria síntese da família nuclear, como ironizam os autores: "Era uma vida pacífica, de amor, zelo e comunhão, e parecia sugerir uma linha direta no tempo através de milhões de anos de evolução e que levaria à família suburbana do final do século XX." A teoria de Lucy foi contestada por outra pesquisadora americana. Adrienne Zihlman, da Universidade da Califórnia, questionou a hipótese. Para ela, as pegadas e os restos fósseis poderiam ser os de um genitor acompanhado do filho adolescente mais baixo.

O livro rebate outros mitos criados em determinadas épocas e mostra como a cultura muitas vezes induz a conclusões não isentas. Cita a cena de abertura do filme de ficção científica de Stanley Kubrick "2001: Uma Odisseia no Espaço", que retrata seres violentos em guerra. A imagem de que éramos caçadores agressivos e assassinos perdurou por décadas e esteve associada, segundo os autores, aos tempos em que foi concebida: os anos que sucederam os horrores das guerras mundiais e do Holocausto. Mas essa representação de nossos antepassados se suavizou no final dos anos 1960 e 1970. "Uma nova mentalidade surgia no embalo do movimento hippie e de um temperamento pacífico universalizado." Foi a primeira grande revisão que repercutiu em filmes como "O Clã dos Ursos das Cavernas", com a belíssima Daryl Hannah. A segunda é a que está em curso agora: tornar mais realista a participação do gênero feminino na Pré-História.

"Existem Erros Na Reconstrução Do Passado"

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Olga Soffer, antropóloga e arqueóloga da Universidade de Illinois, coautora do livro "Sexo Invisível"

ISTOÉ – Como nasceu a ideia do livro?
Olga Soffer – Há evidências científicas de que existem equívocos na reconstrução do passado. O livro nos permite levar isso ao grande público.

ISTOÉ – É uma investida feminista?
Olga – Não. É alocar os fatos em seus devidos lugares. O estudo da Pré-História começou no século XIX, na Europa, e, para aqueles cientistas, os homens eram sempre provedores, e as mulheres, passivas coletoras.

ISTOÉ – E o que está errado?
Olga – Não é a ciência. Alguns acadêmicos é que são arrogantes e se esquecem da mera condição de ser humano.

ISTOÉ – Como a arte representa a mulher na Pré-História?
Olga – Eu me surpreendi ao ver em "10.000 d.C." a mulher lutar contra dinossauros. Os filmes reproduzem grosseiramente as origens da natureza humana.

Olg