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Casar com um parceiro de uma religião diferente já foi sinônimo de tabu ou problema familiar. Hoje em dia, de tão comuns, essas uniões inter-religiosas já têm um cerimonial próprio. Em igrejas como a anglicana, a católica apostólica brasileira e algumas evangélicas, é possível entrar vestida de noiva no tapete vermelho e receber bênçãos de duas religiões. Esse tipo de celebração se multiplicou nos últimos anos, de acordo com organizadores de eventos. E pode combinar crenças como hinduísmo e protestantismo ou as religiões católica e judaica num mesmo altar – nem que ele seja construído numa casa de festas.

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HINDU-LUTERANO Vanessa Robert e Leandro Castello Branco fizeram questão de prestigiar o clã luterano

Segundo a cerimonialista carioca Beth Kos, cerca de 30% dos casamentos que ela realiza hoje acontecem entre pessoas de credos diferentes. Isso implica cuidados como distribuir folhetos explicativos nas cerimônias, restringir bebida e dança a espaços reservados, no caso dos evangélicos, e optar por músicas clássicas, em vez das religiosas. "Respeito é fundamental", destaca. A designer de joias carioca Vanessa Robert, 27 anos, é de família católica, assim como o noivo, o professor de ioga Leandro Castello Branco, 29 anos. Quando ela avisou aos familiares que haviam optado por um casamento hindu – religião a que se converteram em 2006 – não houve repressão. Apenas o cuidado de não magoar a parte luterana da família. A cerimônia foi feita na tradição hindu, com a bênção de um pastor. "O resultado foi emocionante", garante a noiva.

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BATISTA ANGLICANO Rodrigo e Alessandra Delfino receberam a bênção de dois pastores em suas núpcias

Antigamente, quem celebrava casamentos com duas religiões, optava por algo pequeno, conta o cerimonialista Roberto Cohen, do Rio de Janeiro. Hoje não há mais distinção. "Nas cerimônias tradicionais, você sabe o que esperar. Numa mista, tudo é novidade. A atenção do público dobra", afirma. Regiane Gallan, sócia da assessoria de cerimonial e eventos D’Gallan, de São Paulo, conta que ajuda os celebrantes a construir um discurso de modo a não privilegiar uma das crenças. "Tudo é acertado previamente para não gerar discórdia", conta. Há profissionais especializados em realizar esse tipo de cerimônia. Pérola Kaminietz, que se autointitula oficiante de casamentos ecumênicos, celebra uniões entre judeus e pessoas de outras religiões. "Faço uma cerimônia judaica nãotradicional e personalizada", define.

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JUDEU-CATÓLICO
Christiana Niskier e Carlos Eduardo Mansur convocaram um hazzan e um diácono

Apesar de ser chamada de ecumênica, o termo não se aplica a esse tipo de cerimônia, explica Edin Abumanssur, professor de sociologia da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "A celebração mista é como um gesto de boa vizinhança. Mas a natureza dela será sempre marcada por uma das confissões religiosas envolvidas." Isso porque, na maioria das vezes, não existe uma resolução comum que possa ser aceita por duas igrejas. A farmacêutica católica Cibele Ferraz Berenstein, 36 anos, de São Paulo, conseguiu uma licença para casar com o noivo judeu Jaime Luís Berenstein, também farmacêutico, 37 anos. Sua cerimônia foi reconhecida pela religião católica, mas não pela judaica. "Pesquisei muito para fazer todos os ritos de forma correta e com respeito", conta. Em alguns casos, a união é protestante, mas de denominações diferentes. Rodrigo Delfino, 32 anos, advogado, e Alessandra Delfino, 31 anos, estudante de direito, se casaram na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, em São Paulo, com a participação de um pastor batista, da igreja de Alessandra, e de um reverendo anglicano. PPara driblar a rigidez de certas religiões, há quem recorra à participação de representantes religiosos nãotradicionais, como os diáconos católicos ou os hazzans judeus, cantores que auxiliam o rabino nas cerimônias. A combinação desses dois representantes no casamento de Christiana Niskier, engenheira civil, 31 anos, do Rio, e do jornalista Carlos Eduardo Mansur, 33 anos, agradou. "Não iria me converter só por conta do casamento", diz a moça, que tem pai judeu e mãe católica, casados apenas no cartório. Hoje, a lei brasileira admite o casamento religioso com efeitos civis, independentemente da religião, explica o advogado Adriano Ryba, presidente da Associação Brasileira de Advogados de Família. E mesmo uniões inter-religiosas sem reconhecimento civil podem atestar uma intenção de união estável. Só não festeja quem não quer.

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