O humorista já apanhou e foi preso por causa de seu trabalho e diz que hoje existe "censura branca" em torno dos comediantes

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Ele quase foi pastor da Igreja Batista:

“Lá, encontrei abrigo e fiz amigos,
amizades que mantenho até hoje”

Aos 32 anos, Danilo Gentili é uma das personalidades mais polêmicas e influentes do novo humor nacional. Natural de Santo André, região metropolitana de São Paulo, o comediante ganhou popularidade por colecionar declarações controversas tanto na tevê – como repórter do programa “CQC” (Custe o que Custar), na Rede Bandeirantes – quanto no Twitter, onde possui mais de dois milhões de seguidores. Elogiado pelo jornal britânico “The Guardian” e pelo americano “The New York Times”, Gentili ganhou neste ano seu primeiro programa, o talk show “Agora é Tarde”, também na Band. Há quase seis meses no ar, a atração já é a segunda maior audiência do canal. Publicitário de formação, o humorista chegou a trabalhar como carregador de caixa em shopping e numa gráfica até ser descoberto no YouTube.

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"O Drauzio (Varela) é chato. Ele corta o barato de quem come coxinha, de
quem bebe e fuma cigarro. A gente fez piada com isso. É só uma brincadeira"

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"Quem não gosta das minhas piadas é a Preta Gil. Tenho
uma relação de amor e ódio ela. Da parte dela, é mais ódio"

ISTOÉ

Com o “Agora é Tarde” você concorre em formato com o “Programa do Jô”, da Globo. O que acha das comparações entre as duas atrações?
 

Danilo Gentili

Para mim, a melhor coisa que existe é me compararem com o Jô. Eu estou começando agora. Imagina: saí de Santo André, tenho um programa na televisão e agora me comparam com o Jô, que é “o” patrono da comédia brasileira, ainda em plena atividade. Eu sou fã do Jô, de verdade. Quem não deve ficar feliz com as comparações é ele. O Jô já disse que não assiste o meu programa, mas eu assisto o dele, cresci me divertindo com o “Jô Soares Onze e Meia”. Mas nunca fui entrevistado por ele e, pelo jeito, agora é que não vou mesmo (risos). Recebi um convite para ir ao programa do Jô em 2009, mas a Band não liberou. Acho muito errado proibir um funcionário de dar entrevista em outra emissora. É muito provinciano.
 

ISTOÉ

Quando você começou a gravar a atração, teve dificuldade para levar entrevistados? Houve gente que se negou a ir ao programa? 

Danilo Gentili

Bem no começo, a gente não estava com dificuldade, não. Nós tínhamos uma agenda montada para as primeiras semanas do programa. Aí surgiu na imprensa uma nota dizendo que ninguém queria ir. De onde veio, não sei. Tem teoria de que foi alguém da Band, com inveja. Tem teoria de que foi alguém de fora querendo me ferrar. Ou vai ver o jornalista só queria vender cliques, o que eu acho mais provável. Aí alguns convidados começaram a desistir perto da estreia. Pensei: “F… Se ninguém quiser ser entrevistado, eu mesmo me entrevisto.” Mas o Marcelo Adnet e a Marília Gabriela, que eu sempre quis que fossem os primeiros convidados do programa, não desmarcaram. E agora tem gente que até pede para aparecer no “Agora é Tarde” (risos).
 

ISTOÉ

Recentemente você lançou a campanha “Brasil sem Drauzio”, em resposta à iniciativa “Brasil sem Cigarro”, do médico Drauzio Varela. Por que decidiu criar essa cruzada contra o médico? Aliás, você fuma? 

Danilo Gentili

Não fumo (risos). Mas, se tem gente que é feliz fumando, deixa fumar. Eu e os roteiristas do programa criamos essa ideia de brincadeira, conversando sobre como o Drauzio é chato. Ele corta o barato de quem come coxinha, de quem bebe e fuma cigarro. A gente fez piada com isso, riu na hora e achou que a campanha seria divertida para o programa. Quem entendeu que era piada deu risada. Quem achou que era sério criticou. No fim, é só uma brincadeira. Nem conheço o Drauzio pessoalmente, mas todos falam que ele é gente boa.  

ISTOÉ

Quantas vezes você apanhou durante reportagens do “CQC”? Chegou a ser preso?
 

Danilo Gentili

Muitas. Já apanhei de militante do PT numa campanha da Marta (Suplicy) e tive que sair correndo para não apanhar mais. Já apanhei de segurança do Sarney, de segurança do PT, do PSDB. Já apanhei da Polícia Militar, da Guarda Municipal, de assessor de vereador, de prefeito. E fui preso duas vezes. Uma vez em Assis (SP), numa reportagem do “CQC” sobre a lei contra vadiagem daquela cidade, em que eu me passei por morador de rua. E a outra vez em São Bernardo do Campo (SP). A gente estava gravando num estacionamento de uma escola pública. Mas a Guarda Civil, acho que por despreparo, entendeu que a gente não poderia estar ali. Eles tentaram impedir a reportagem, não acatei, e acabei preso.
 

ISTOÉ

Já ganhou algum inimigo por causa de suas piadas?  

Danilo Gentili

Olha, talvez, sim. Publicamente ninguém se declara meu inimigo. Acho que até tem gente que me odeia, mas nega ou finge que não me conhece, sabe? Diz: “Danilo Gentili? Quem é esse cara?” Na tevê, na mídia brasileira, tem muito recalcado. Quem não esconde que não gosta das minhas piadas é a Preta Gil. Tenho uma relação de amor e ódio com ela. Acho que ela tem mais ódio do que amor (risos). Sempre que a encontro, pergunto: “Você me odeia, né, Preta Gil?” Ela fala: “Não. Você faz umas piadas bestas, mas eu não te odeio, não.” Então eu a convido para ir ao meu programa, mas ela diz: “Não vou, não” (risos).
 

ISTOÉ

Como lida com o silêncio da plateia diante de uma piada?
 

Danilo Gentili

A comédia stand up funciona assim: eu escrevo 20 piadas, subo no palco e falo as 20. Dessas, sobram cinco boas. Das cinco, duas eu preciso arrumar. É um estilo de comédia muito empírico. Acontece de ninguém rir, claro. E, se ninguém ri, eu falo “desculpa, vamos para a próxima”. Acontece também de alguém se ofender ou de outro entender errado. E acontece de alguém rir mesmo a piada sendo uma m…
 

ISTOÉ

Já sofreu censura?  

Danilo Gentili

Existem vários tipos de censura. O que acontece muito hoje é o que eu chamo de “censura branca”. É uma pressão que pes­soas que não gostam de uma piada, que não querem uma piada, exercem sobre os comediantes. Do tipo “nossa, se você falar isso, você nunca vai chegar na Globo”, ou “fazendo esse tipo de piada você vai afastar anunciantes”. A Band não quer saber se a minha piada foi engraçada ou não, mas se ela pode afastar anunciantes. E está certo, porque a Band é um negócio que precisa gerar dinheiro. A produtora (Cuatro Cabezas) quer ganhar dinheiro. O diretor do programa quer ganhar dinheiro. Eu quero ganhar dinheiro. E nesse caso eu poderia ter duas atitudes: dizer “f…” ou dizer “tudo bem, se eu estou na tevê, tenho que entrar no jogo”.
 

ISTOÉ

O que achou do afastamento de seu colega Rafinha Bastos do programa “CQC”?
 

Danilo Gentili

Conversei muito com o Rafinha na época. Só que ele falou: “Caguei” (dando de ombros). Então é isso, ele cagou. Ele que quis sair do programa, de verdade. E é uma decisão sem volta. Mas ele tem trabalhado bastante. Faz dois meses que não vejo o Rafinha. Somos sócios aqui no bar (Comedians), mas está difícil conciliar as agendas ultimamente.
 

ISTOÉ

Humor tem limite?
 

Danilo Gentili

Não. Humor não deve ter limite. O comediante é mais sincero que a maioria das pessoas e deve ter a liberdade de falar coisas que a maioria não tem coragem. Mas o patrulhamento do politicamente correto hoje não é só no humor, é em tudo. A gente está vivendo um momento de muita repressão. Não pode comer fritura, não pode falar mal dos outros, não pode fazer piada pesada, não pode fazer isso e aquilo. Para um comediante, se o dia está lindo, ele acorda e pensa “C…, sobre o que eu vou falar hoje?”. A gente precisa de motivo para reclamar, para fazer piada. Comediante quer mesmo é ver o circo pegar fogo.
 

ISTOÉ

Como vê o humor brasileiro hoje?
 

Danilo Gentili

Acho que hoje o humor brasileiro tem opção para todo mundo. Quem gosta de “Zorra Total”, assiste “Zorra Total”. Quem gosta de stand up, pode ir num bar assistir stand up ou mesmo pelo YouTube. Quem gosta de jornalismo com humor pode assistir o “CQC”. Quem gosta do Jô, assiste o Jô. É muito bom que a gente tenha todas essas alternativas. Acho que é um sinal de que nosso humor está amadurecendo, apesar de ainda ter um longo caminho para percorrer.
 

ISTOÉ

Como foi sua infância? 

Danilo Gentili

Sempre fui zoado por ser alto e por ter voz fina, mas nunca liguei muito para isso, não. Aliás, foi com essas brincadeiras que aprendi a fazer piada. Sempre encarei uma piada como piada. E muitos dos amigos que eu tenho até hoje são da minha época de escola. São amigos que nunca levaram a mal uma brincadeira minha.
 

ISTOÉ

Você já declarou que sua família teve muitas baixas. Quais foram essas perdas?
 

Danilo Gentili

Quando minha mãe engravidou de mim, sem planejar, meu pai descobriu que estava com câncer. Então, durante minha infância e adolescência, eu lembro do meu pai sempre debilitado pela doença. Imagina: um tratamento de câncer no começo dos anos 80 não era fácil. Mas, apesar de tudo, meu pai era um paizão mesmo. Aí, quando eu tinha 18 anos, morávamos eu, minha irmã, meu pai e minha mãe num quarto e sala em Santo André. Meus pais dormiam no chão da sala e eu e minha irmã no quarto. Até que um dia eu acordei com meu pai gritando. Fui socorrê-lo e ele estava tendo um infarto. Meu pai morreu nos meus braços. Seis meses depois, minha irmã estava numa van indo para seu primeiro dia no emprego e a van capotou. Das cinco pessoas que estavam no carro, só ela morreu. Depois, minha mãe também sofreu um acidente de carro e perdeu um dedo da mão direita. Eu conto uma piada sobre o dedo da minha mãe no meu show e as pessoas acham que é ficção. Mas é verdade.
 

ISTOÉ

Você integrou a Igreja Batista e quase foi pastor. O que o atraiu na religião?
 

Danilo Gentili

A Igreja Batista foi muito importante nesse período em que eu perdi meu pai e minha irmã. Tive um pastor lá na igreja que era uma pessoa boa, que ajudou muito a mim e a minha mãe. Na igreja eu encontrei abrigo, fiz amigos, amizades que mantenho até hoje. Conheci muita gente legal. Mas, assim como larguei a religião católica lendo a “Bíblia” e vendo que nada do que estava escrito lá correspondia com o que os padres praticavam, o mesmo aconteceu com a Igreja Batista. Vi muito picareta vendendo mensagens erradas, defendendo fé por dinheiro. Então saí. Hoje não frequento nenhuma igreja. Brinco que sou monoteísta freelancer (risos).