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A ALA DAS MULHERES
Fernanda Maria (à dir.) se aliou à tia Maria Fernanda,
filha de Cecília (à esq.) por não ter entrado na partilha
 

A poeta Cecília Meireles (1901-1964) cunhou uma bela definição de liberdade. Ela pode ser lida no seu poema mais famoso, “Romanceiro da Inconfidência”: “essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Trata-se de uma aspiração da qual a própria obra da escritora, por ironia, hoje se vê privada. Há três anos, a poeta carioca não tem um único exemplar impresso para as livrarias, pois uma disputa judicial entre os seus herdeiros emperra a reedição. No início do mês, o mercado foi balançado com o anúncio de um acordo entre a editora Global e dois netos da escritora, mas o que parecia uma boa notícia virou uma briga
de família. O lado em desacordo tenta brecar o negócio, numa queda de braço em que está em jogo não apenas a divulgação da importante obra de Cecília como uma renda milionária em direitos autorais.

Essas desavenças, que chegam agora ao seu ápice, começaram há três anos com a morte de Maria Mathilde, uma das três filhas da poeta. As outras duas filhas são Maria Elvira, também falecida, e a atriz Maria Fernanda, 83 anos. Um testamento, cuja autenticidade é questionada, destinou os direitos de Maria Mathilde para o médico Ricardo Strang, sobrinho dela e filho de Maria Elvira.

De acordo com o documento, Strang passaria a controlar dois terços dos direitos autorais de Cecília. Um de seus aliados é o advogado e agente literário Alexandre Dias Teixeira, filho de Maria Mathilde. As irmãs de Teixeira, Fernanda Maria e Fátima, se sentiram prejudicadas com o suposto testamento e recorreram à Justiça, com o apoio da tia Maria Fernanda. De um lado, portanto, ficam os homens; do outro, as mulheres.

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"É uma questão delicada. Não gostaria de colocar
o nome da minha avó nesse tipo de exposição"

Ricardo Strang, neto de Cecília

O processo ainda não teve sentença de primeira instância, mas Teixeira se precipitou e anunciou o acordo verbal com a editora Global – até agora nenhum contrato foi assinado. Maria Fernanda afirmou à ISTOÉ que sua intenção é defender os direitos das sobrinhas, não contempladas na partilha, e reconhece que é lamentável o sumiço do nome de sua mãe do mercado: “Estou ansiosa para que essa questão judicial seja solucionada. Infelizmente, um assunto pessoal e familiar prejudica a publicação da obra. Mas não posso fazer nada. Sou atriz e nem eu mesma posso recitar os versos da minha mãe, o que é triste”, disse ela. Strang, cirurgião plástico que vive em Londrina (PR), concorda com a tia que o imbróglio prejudique a publicação dos livros. “Tudo o que a gente não gostaria que acontecesse, ou seja, colocar o nome da minha avó nesse tipo de exposição, está ocorrendo. É uma questão delicada. Lamento que outros parentes estejam fazendo isso”, disse o médico.

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Representante legal de Maria Fernanda, o advogado Roberto Halbouti contou que a editora Global já foi notificada sobre o desacordo em relação aos direitos de publicação. Segundo ele, a editora chegou a contatá-lo para tentar fechar acordo, mas sua cliente só irá assinar qualquer contrato depois do fim da disputa judicial. Halbouti afirma ainda que dois dos três peritos que analisaram a assinatura do testamento de Maria Mathilde negaram a sua autenticidade. “Quem acredita na veracidade desse documento deve crer também em história de Papai Noel”, ironiza ele, colocando em dúvida qualquer possibilidade de as duas netas da poeta terem sido prejudicadas justamente pela mãe. Segundo Halbouti, Maria Fernanda teria a receber R$ 1,7 milhão de direitos autorais referentes a três anos em que Teixeira administrou a obra e não teria repassado a parte dela.

Disputas familiares desse tipo já envolveram a obra de autores também famosos, como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Monteiro Lobato. O Ministério da Cultura pretende, inclusive, modificar a legislação para que uma obra possa ser publicada sem entendimento entre os herdeiros do escritor. Ex-editor de Cecília na Nova Fronteira, Carlos Augusto Lacerda, atualmente na Lexikon, defende a ideia de que o direito dos herdeiros seja soberano. Mas apelou para o bom-senso por parte das famílias: “Acho que eles chegarão a um acordo, pois quem sai perdendo com isso é a cultura nacional”, disse Lacerda.  

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