Até agora, o caso envolvia fraudes na Itália e dificuldades financeiras no Brasil. Mas o brejo onde a vaca da Parmalat foi se meter começa a se revelar ainda mais fundo. As informações, não oficiais, são de que a operação brasileira não recolhe um tostão de impostos desde 1997. Que acumula dívidas com bancos públicos e privados superiores a seu patrimônio de cerca de R$ 1 bilhão. E, finalmente, que, apesar de espetar tamanhos papagaios no Tesouro Nacional e no sistema financeiro, só em 2002 remeteu R$ 1,4 bilhão para o Exterior. Os detalhes estão sendo levantados pela Polícia Federal, pelo Banco Central, pela Receita Federal e pela comissão especial criada na Câmara dos Deputados para acompanhar a crise. Na Itália, a má notícia da semana ficou por conta de um relatório da consultoria PricewaterhouseCoopers, que revelou o verdadeiro rombo nas finanças da matriz: incríveis 14,3 bilhões de euros, dez vezes mais que a estimativa inicial.

O agravamento da situação levou as empresas da Parmalat no Brasil a pedir concordata preventiva na quarta-feira 28. A pressão dos credores, especialmente do Banco do Brasil e do Sumitomo, e os pedidos de falência não lhes deixaram alternativas. Se aprovado pela Justiça, o pedido vai permitir que as companhias ganhem um prazo de dois anos para pagar as dívidas. “Sem a concordata, a Parmalat iria à breca rapidamente”, diz um consultor com mais de 30 anos de
experiência no varejo.

Surpreendido pelo pedido, o Palácio do Planalto decidiu por ora apenas socorrer os cerca de 63 mil fornecedores da multinacional italiana. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, convocou os ministros da área – Agricultura, Fazenda, Justiça e Desenvolvimento Agrário – e determinou que o Banco do Brasil, na quinta-feira 29, pusesse mais dinheiro à disposição das cooperativas de pequenos produtores que vendiam à Parmalat a juros menores que os de mercado. Determinou que se criasse ainda uma linha de crédito especial, para impedir que os pecuaristas matem as vacas e abandonem o abastecimento interno. Dirceu também despachou Miguel Rosseto, do Desenvolvimento Agrário, para falar com os interventores da matriz italiana. “Precisamos saber dos planos deles para o Brasil”, explicou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. O governo também pretende comprar as mil toneladas de leite em pó usadas pela Parmalat para pagar seus fornecedores em novembro e dezembro. Vai distribuí-las a famílias do programa Fome Zero.

Socialmente, uma eventual paralisação das operações da empresa no Brasil provocaria um desastre. Oito em cada dez produtores de leite no Brasil são pequenas propriedades familiares, muitas vezes informais. Muitos não têm sequer conta em banco. Foi nesse campo que a multinacional italiana plantou, nos últimos dez anos. Chegou a pagar preços dez vezes maiores, para captar fornecedores e dizimar os pequenos laticínios das regiões onde montou suas oito fábricas.

Situação emblemática ocorre na cidade pernambucana de Garanhuns, curiosamente a terra do presidente Lula. Lá, a planta da Parmalat, que emprega 300 pessoas, processa mais da metade do leite produzido no Estado. Os salários já estão atrasados. Ruindo, a fábrica provocará estragos de grandes proporções no nível de emprego e renda fora da capital. “E a mesma coisa acontece em Carazinho (RS), Santa Helena de Goiás (GO) e Ouro Preto (RO)”, afirma o deputado Assis Miguel (PT-PR), relator da comissão especial da Câmara. Em meio a tanta notícia ruim, uma boa surgiu na sexta-feira 30: representantes da Parmalat garantiram que estavam depositando os salários dos seis mil funcionários da companhia em todo o País.