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Os filósofos Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre ficaram juntos desde o ano em que se conheceram, 1929, até a morte dele, em 1980, e se fizeram "cobaias" de suas próprias teorias sobre o que entendiam por relacionamento amoroso livre. "Entre nós, trata-se de um amor necessário; convém conhecermos amores contingentes", disse Simone no auge do romance entre os dois.

A declaração está reproduzida no livro "Os Filósofos e o Amor – De Sócrates a Simone de Beauvoir" (Agir), das jornalistas francesas Aude Lancelin e Marie Lemonnier, que acaba de ser lançado no Brasil. A obra mostra que pensadores como Arthur Schopenhauer, Jean-Jacques Rousseau, Michel Montaigne e Friedrich Nietzsche, entre outros, estudaram esse sentimento não como um objeto distante, mas a partir de suas próprias experiências, prazeres e sofrimentos.

Do idealismo de Platão (do qual se originou a expressão "amor platônico") ao pessimismo de Schopenhauer, para quem gostar de outra pessoa não levaria a nada, todos eles tentaram entender esse sentimento que não tem bula. "O pensamento sobre o amor foi sempre escrito com o próprio sangue dos filó so fos, com suas dificuldades singulares, suas neuroses, seus êxitos amorosos", escrevem as autoras.

No caso do alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), os relacionamentos fracassados teriam contribuído para sua trágica visão do amor. Horror das feministas, ele acreditava em um antagonismo natural entre homens e mulheres – o que faria de qualquer relação amorosa um eterno duelo de forças. A mulher, mais frágil do que o homem, recuperaria sua vantagem justamente por comover o companheiro com essa fragilidade. "Homem e mulher detêm um sobre o outro um poder de dominação específica que os opõe e os reúne sucessivamente", diz Aude. Assim, dois nunca se tornarão um só, conclusão nada animadora que talvez explique o final de Nietzsche: ele morreu solteiro, numa clínica psiquiátrica. A sua loucura, no entanto, teria sido consequência da sífilis que contraíra em visitas a bordéis.

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EXPERIÊNCIA Para as autoras, os filósofos que estudaram o amor sempre partiram de suas vivências e de seus relacionamentos pessoais

O francês Montaigne (1533-1592) teve também seus dissabores e nem por isso se tornou amargo. Ele iniciou-se sexualmente cedo, teve amantes mesmo depois de casado, mas sua vida foi atropelada pela impotência aos 50 anos. Foi quando passou a escrever com mais intensidade. Segundo as autoras, Montaigne "acabou por reconhecer a força da infinita necessidade de amar".

Não só passou a defender os prazeres sexuais como a dar dicas para prolongá-los: "A quem me pedisse o primeiro conselho em matéria de amor, eu responderia que é demorar; o segundo, o mesmo; o terceiro, também o mesmo."

Esse prazer, para Platão (séc. IV a.C.), é só um dos sete passos do caminho para o amor – para ele ligado à ideia de perfeição. Daí a expres são "amor platônico". No mes mo espírito pessimista de Schopenhauer, que culpava as mulheres por sua capa ci dade de reproduzir e, assim, "prolongar o suplício da humanidade", o romano Lucrécio (I a.C.) não via o sentimento com bons olhos. "É efetivamente o único caso em que, quanto mais possuímos, mais nosso coração arde de um funesto desejo", escreveu no poema "De Natura Rerum". Para fugir dessa inevitável dependência, a única saída seria a multiplicidade de parceiros. Ou seja, sai-se melhor quem desistir do amor exclusivo. Como, desde a Grécia e a Roma antigas, as pessoas amam, deve existir algo de prazeroso no sofrimento. Assim re su mem as francesas Aude e Laucelin em seu livro: "O amor parece resistir a toda racionalidade."

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