Parava o carro no estacionamento do supermercado quando ouvi um funcionário assoviando uma conhecida melodia. Sim, era o “Hino à Bandeira”, aquele dos indefectíveis versos: “Salve, lindo pendão da esperança, salve, símbolo augusto da paz!”.

Lembrei-me imediatamente dos tempos de escola, quando éramos obrigados, às vezes sob o sol inclemente do início da tarde, a cantar este e o “Hino Nacional” (às vezes o “Hino do Maranhão” também entrava na roda cívica). Eu cantava aqueles versos parnasianos e internamente me perguntava: quem diabos teria sido esse Augusto? E quem é esse “lindo” que saúdam logo no primeiro verso? Seria o Augusto um homem tão lindo a ponto de merecer homenagem num hino feito em honra da bandeira nacional? “A verdura sem par destas matas” também me intrigava. Afinal, de que verdura o poeta falava?

Hinos são hinos, odes, “cantos solenes”, segundo o dicionário, ou “cânticos de louvor”. Por isso tantos exageros na lírica. Há que lembrar que todos esses hinos de louvor à pátria são antigos, a maior parte do século XIX, o que justifica a verborragia e o quase hermetismo dos versos. Afinal, quem aí sabe o que quer dizer “fúlgidos”, “impávido”, “florão” e “lábaro” contidos na letra do “Hino Nacional”?

Mas, de um modo ou de outro, por força da obrigação ou não, os hinos sempre estiveram no nosso imaginário cultural. E, mesmo que inevitavelmente eu me lembre do rigor que não nos aliviava caso não cantássemos o hino de mão no peito e olhar compenetrado, tenho a lembrança lúdica daquele momento também. Talvez aquele ritual aparentemente absurdo aos olhos de nós crianças tivesse um papel civilizatório qualquer. Hoje não há nenhum apego a hinos, como de resto a quase nada, nem ao sentido de pátria (banalizado que foi pelo populismo dos anos de regime militar) ou de pertencimento a uma nação.

Lembrando que hinos também são “cultura”, nunca é demais lembrar: o “Hino à Bandeira” tem letra do poeta Olavo Bilac (sim, ele mesmo, dos clássicos versos “ora direis, ouvir estrelas”…) e música de Francisco Braga. E o “Hino Nacional” do Brasil, cuja melodia julgo a mais bonita dentre os hinos nacionais – só comparável à Marselhesa e ao hino americano –, é de autoria de Francisco Manuel da Silva e Osório Duque Estrada.
P.S. 1: Sei que mexi em casa de marimbondo e despertei a fúria de muitos com meu texto anterior, “Fundamentalistas”, sobre os fanáticos religiosos. Quero dizer, em minha defesa – mas não à guisa de desculpa, pois não excluo nem uma vírgula do que escrevi –, que tenho grande respeito por todas as fés e credos. O que contesto é a cegueira do fanatismo e da intolerância, que fez com que numerosos leitores escrevessem, alguns oferecendo orações à minha alma e outros atirando pedras e agressões. A propósito do tema deste mês, me recordo que foi por causa de um hino – este religioso, da Harpa Cristã, hinário protestante (na época não se chamavam evangélicos) – que, aos 14 anos, quase me torno parte do grande rebanho, antes de me tornar esta ovelha perdida e convicta. O (lindo) hino dizia: “Porque Ele vive, posso crer no amanhã, porque Ele vive, temor não há”…

P.S. 2: Minha saudação ao Doutor Sócrates, que, para além do grande ídolo que foi, nos últimos anos tornou-se também um amigo mais que querido. Que a história seja justa e que, nesta era do politicamente correto, seu “crime” de ser alcoólatra não obscureça a imagem do grande cidadão e artista que ele foi. 

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Zeca Baleiro é cantor e compositor


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