Aos 80 anos, Danielle Mitterrand é ainda, mais que tudo, uma militante. A viúva do estadista francês François Mitterrand (morto em 1996), que atuou na Resistência Francesa e ficou na oposição até 1981, quando o marido assumiu a Presidência, continua veemente ao defender uma sociedade melhor e mais justa. Acha que esse mundo virá de qualquer forma e quem não acredita nele será levado de roldão. “Há uma mudança de mentalidade irreversível de setores relevantes da sociedade”, acredita. À frente da Fundação France Libertés, fundada em 1986, apóia projetos humanitários

No Brasil, para participar do 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a ex-primeira-dama francesa passou pela capital paulista na quarta-feira 2 para conhecer a Bolsa de Valores Social (BVS), iniciativa da Bolsa de Valores de São Paulo. A BVS apresenta uma carteira de entidades sociais na qual o investidor pode fazer sua contribuição com a garantia do controle de destinação de recursos. E ela usou justamente este exemplo para apontar que até o mundo financeiro já percebeu a necessidade de lutar contra as desigualdades sociais. “Dos seis bilhões de pessoas no planeta, apenas um bilhão têm níveis confortáveis de vida. As esferas que antes se fechavam à questão, hoje procuram meios de gerar mudanças”, constata. Em entrevista a ISTOÉ, ela fala de seu trabalho:

ISTOÉ – O que defende a sua fundação?
Danielle –
A responsabilidade de cada um pelo destino da humanidade. Trabalhamos pela mudança de mentalidade de líderes, intelectuais e governantes e pela sensibilização dos países ricos.

ISTOÉ – Mas há apoio financeiro a projetos sociais?
Danielle –
Apoiamos cerca de 100 projetos no mundo. A fundação não é rica e mais do que ajuda financeira dá apoio logístico e político para que as ações se concretizem. Isso gera visibilidade. Como me disse o Subcomandante Marcos, do Exército Zapatista, no México, o apoio político é importante.

ISTOÉ – E no Brasil, qual é a atuação da fundação?
Danielle –
Estamos ligados a seis projetos. Dedicamos-nos às parteiras do Amapá, aos catadores de papel de Minas Gerais, aos seringueiros do Acre, entre outros. Trabalhamos com o senador Cristovam Buarque para a criação da cadeira de direitos humanos na Universidade de Brasília. Este ano, a França escolheu o Brasil como tema para seus eventos culturais. Nós, em parceria com o Instituto Arapoty, de São Paulo, colocaremos o Brasil como tema no Devenir, um encontro internacional feito anualmente na França que reúne intelectuais, artistas, cientistas e empresários com atuação na formação da cultura de paz.

ISTOÉ – A sra. vê resultados práticos de encontros como o Fórum Social Mundial, que para muitos é um caldeirão de idéias sem poder real de mudanças?
Danielle –
Há uma evolução clara, um caminho em direção a mudanças. Firma-se a idéia de que um outro mundo é possível sim, e já há ações em favor dele. Há uma mudança irreversível de mentalidade de setores importantes da sociedade. E as pessoas que se agarram às idéias antigas serão ultrapassadas por ela.

ISTOÉ – Mas essas mudanças não são incipientes?
Danielle –
Estamos, por exemplo, lutando pelo acesso à água. O orçamento militar mundial é algo perto de US$ 1 trilhão, queremos 1% disto para fazer valer esse direito, 1% do dinheiro que promove a morte para promover a vida. Há dois anos, estamos nesta campanha, já conseguimos apoio no Parlamento Europeu e temos recebido manifestações positivas de outros países também. É uma batalha.

Ativismo: criada por Danielle, a Fundação France Liberté apóia 100 projetos no mundo, seis deles no Brasil. Além de ajuda financeira, dá apoio logístico e político para que as ações se concretizem