O secretário-geral da Fifa está preocupado com as obras, mas garante que não há mais choque entre o Brasil e a entidade

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A VOZ DA FIFA
Valcke esclarece que seu papel é o de alertar o governo

As relações da Fifa com o governo brasileiro bateram no fundo há alguns meses, a tal ponto que a presidenta Dilma Rousseff reuniu-se com o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, em Bruxelas, para aparar arestas quanto à organização da Copa de 2014. Após o encontro, o Palácio do Planalto recebeu com estranheza críticas de Valcke às posições do Brasil. Depois ele veio a Brasília e participou de uma audiência na Câmara, também bastante acidentada. O confronto, porém, não interessa a ninguém. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Jérôme Valcke faz um aceno de paz e diz que vai torcer para a Seleção Brasileira vencer a Copa. O francês explica que foi mal interpretado quando afirmou que o Brasil não iria vencer a Fifa: “Eu disse isso num contexto. O Brasil não vai vencer a Fifa, nem a Fifa vai vencer o Brasil. Mas espero que o Brasil vença o time que chegar à final com ele.”

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"Ronaldo é uma ótima pessoa, um grande cara. E, como é um dos
jogadores brasileiros mais famosos, seria um ótimo promotor da Copa"

O secretário-geral da Fifa garante que “não há mais por que falar em choque entre a Fifa e o Brasil”. Afirma que “está tudo bem, tudo dará certo”. Em relação às cobranças sobre atrasos nas obras de infraestrutura, Jérôme Valcke esclarece que seu papel é alertar o governo para que não seja tarde demais. “Meu medo é que as coisas fiquem prontas no último minuto”, diz. Para ele, as obras dos estádios preocupam menos do que as de mobilidade urbana. “O problema é não termos as vias de acesso e o transporte para os torcedores.” Discreto, Valcke evita opinar sobre os embates entre o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e o presidente da Fifa, Joseph Blatter. Em relação à indicação de Ronaldo Fenômeno para comandar o Comitê Organizador Local da Copa, Valcke diz que ainda não foi comunicado. “Ronaldo é um grande cara, mas ainda não recebi nenhum pedido de nomeação.”

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"Há questões entre Ricardo Teixeira e Brasília. Ele é o chefe
do Comitê Organizador da Copa e trabalhamos com o Comitê"

ISTOÉ

O sr. está preocupado com o atraso nas obras de infraestrutura para a Copa de 2014? 

JÉRÔME VALCKE

Há uma preocupação natural de que tudo esteja pronto a tempo. Certamente, temos um cronograma apertado. Meu papel é alertar as autoridades e todas as pessoas envolvidas nesses preparativos para que não seja tarde. Nunca disse que é tarde até que realmente seja, mas meu medo é que as coisas fiquem prontas no último minuto.
 

ISTOÉ

Problemas como os da construção dos estádios de Natal e São Paulo já foram solucionados? 

JÉRÔME VALCKE

Os estádios não são nosso maior problema. As obras estão indo e tenho certeza que teremos bons estádios a tempo para os jogos. O problema é, mesmo com os estádios prontos, não termos as vias de acesso, o transporte para levar os torcedores.  

ISTOÉ

Por isso o sr. cobrou das autoridades brasileiras que redobrem os esforços na construção não só dos estádios, mas de aeroportos, rodovias, melhoria das telecomunicações… 

JÉRÔME VALCKE

Sim. Isso faz parte do comprometimento da Fifa com o evento. Estou acompanhando a cada dia a evolução dessas obras, minha equipe em Brasília me mantém atualizado e todos os dias nos debruçamos sobre o tema para nos certificarmos de que tudo estará pronto a tempo. E acho que por enquanto há tempo suficiente. 

ISTOÉ

Em poucas palavras, qual a maior preocupação da Fifa hoje?
 

JÉRÔME VALCKE

Não há uma preocupação, mas uma combinação de fatores como a capacidade do País de ampliar sua infraestrutura. Mas há um número imenso de variáveis e a preocupação maior é combiná-las para que tudo dê certo. 

ISTOÉ

Para minimizar as limitações de infraestrutura, o governo considera decretar feriado nos dias de jogos. O sr. também sugeriu férias a estudantes e servidores públicos. É o suficiente?
 

JÉRÔME VALCKE

Há a intenção de decretar feriado nos dias de jogos e acho que o Brasil deve agradecer à Fifa por isso. Será ótimo para os brasileiros poder ficar em casa para assistir à Copa. É importante lembrar que hoje, em muitas cidades brasileiras, o trânsito já é um problema rotineiro. E, claro, tende a piorar, já que haverá milhares de turistas, tanto nacionais como estrangeiros, nas cidades-sede. É uma medida conveniente e necessária.  

ISTOÉ

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, vem demonstrando certa dificuldade para lidar com a presidenta Dilma e o presidente da Fifa, Joseph Blatter. Qual sua opinião? É possível encontrar outro interlocutor?
 

JÉRÔME VALCKE

A mídia tem falado algumas coisas, mas não estou muito a par de problemas entre Ricardo Teixeira e Joseph Blatter. Por aqui não há muito o que dizer sobre a relação dos dois. Sabemos que há algumas questões entre Ricardo Texeira e Brasília. Ele é o chefe do Comitê Organizador da Copa e estamos trabalhando com o Comitê. Ricardo está sob investigação, mas não foi condenado. Então, temos que esperar como a Justiça vai lidar com isso. 

ISTOÉ

Então não é hora de mudar de interlocutor? 

JÉRÔME VALCKE

A questão é que não fomos questionados sobre isso. O governo brasileiro não nos pediu para mudar Ricardo Teixeira como interlocutor. Nunca falamos com ele sobre esses temas. Além disso, ele também deve saber o que é melhor. Vamos esperar. 

ISTOÉ

O que o sr. achou da escolha de Andrés Sanches como diretor de seleções e Ronaldo Fenômeno para chefiar o Comitê Organizador da Copa?
 

JÉRÔME VALCKE

Sobre Ronaldo, o que posso dizer é que não recebemos nenhum pedido ou carta sobre a nomeação dele. Eles devem pedir à Fifa sinal verde, se quiserem mudar o comando do Comitê. Não ouvi qualquer comentário de ninguém do Comitê Local sobre isso. Então é difícil para mim emitir uma opinião. Claro que Ronaldo poderia ser um embaixador da Fifa para a Copa. Não acho, entretanto, que Ronaldo assumiria a presidência do Comitê, que é de Ricardo Teixeira. Como disse, a nomeação tem de ser aprovada pela Fifa. 

ISTOÉ

Mas haveria alguma objeção sobre a nomeação de Ronaldo para essa posição?
 

JÉRÔME VALCKE

Ronaldo é uma ótima pessoa, um grande cara. É muito querido em todo o mundo e especialmente no Rio de Janeiro. E, como é um dos jogadores brasileiros mais famosos de todos os tempos, seria um ótimo promotor da Copa. 

ISTOÉ

A Fifa sempre teve uma ótima relação com o presidente Lula e outros políticos que amam futebol. O que mudou com a presidenta Dilma?
 

JÉRÔME VALCKE

É uma questão interessante. A relação que tivemos com o presidente Lula foi a de encontros durante o período de promoção do Brasil como sede da Copa 2014. Depois, Lula deixou o cargo e Dilma agora é a presidenta. Nós trabalhamos com o Brasil, não com pessoas individualmente. Dilma tem demonstrado grande compromisso com a organização da Copa. Vemos a presidenta cada vez mais envolvida. Se você me pergunta qual a avaliação que faço sobre nossa relação com as pessoas no Brasil que participam do processo, digo que estou bastante feliz.  

ISTOÉ

Muita gente diz que as exigências da Fifa para a Copa se chocam com a legislação brasileira. Qual sua opinião?
 

JÉRÔME VALCKE

Acho que a maioria das questões que suscitaram polêmica já foi superada. As comissões negociadoras avançaram muito, a Lei Geral da Copa está no Congresso e o texto final deve ficar pronto na próxima semana. Por isso, não há mais por que falar em choque entre o Brasil e a Fifa.
 

ISTOÉ

Recentemente, o sr. afirmou que o “Brasil não vai vencer a Fifa”. O que quis dizer com isso? 

JÉRÔME VALCKE

Foi uma provocação, dentro de um contexto. Muita gente falando, daí me perguntaram sobre quem venceria essa batalha. Disse que o Brasil não ia vencer a Fifa, nem a Fifa venceria o Brasil. Mas espero que o Brasil vença a seleção que disputar com ele a final da Copa.
 

ISTOÉ

Quanto à proibição à venda de bebidas alcoólicas nos estádios, sabe-se que a Budweiser é um dos patrocinadores da Fifa. Como fica essa questão?
 

JÉRÔME VALCKE

Quero lembrar que a Budweiser é uma companhia brasileira, pois foi comprada pela Ambev. Acho que vamos chegar a um acordo sobre isso. Não achamos que a venda de bebidas promova a violência nos estádios. A segurança, aliás, é uma de nossas principais preocupações. Daí a necessidade de que as bebidas sejam vendidas em copos de papel ou plástico. É assim em estádios no mundo todo e nunca foi um problema. A Budweiser é um parceiro antigo da Fifa. Mas reitero que nossa preocupação não é com o lucro da venda da bebida. Não é por dinheiro que insistimos, mas pela certeza de que a venda de bebida alcoólica não aumenta a violência ou a insegurança nos estádios. 

ISTOÉ

O sr. disse que a Fifa aceitaria meia, entrada para idosos e um preço mínimo de US$ 25 para estudantes, mas isso viola leis estaduais e federais. Como espera contornar esse problema? 

JÉRÔME VALCKE

Acho que chegamos a um acordo. Na primeira vez que fui questionado sobre isso, disse que a Fifa nunca violará uma lei federal e concordei com a meia-entrada para idosos. Sobre os demais grupos, como estudantes, abrimos uma discussão. O valor de US$ 25, a nosso ver, garante que todos possam assistir a todos os jogos.
 

ISTOÉ

O sr. também disse que a Copa do Mundo é um investimento privado, mas o BNDES vai desembolsar R$ 6 bilhões para construir ou reformar estádios. Não é contraditório?
 

JÉRÔME VALCKE

Nunca disse que a Copa é um investimento privado. Mas nós não pedimos um só real ao Brasil. A Fifa, por sua conta, vai gastar ao menos US$ 1,2 bilhão com prêmios, transporte e acomodação das seleções, além de salários das equipes e de funcionários. O dinheiro que será investido pelo governo nas cidades e nos Estados é para melhorar o transporte, os aeroportos e as rodovias. Esse é um patrimônio do brasileiro. Quem ganha com a organização da Copa é o País, que atrairá mais turistas. O Brasil precisa desse desenvolvimento e a Copa do Mundo é uma forma de acelerar esse processo. 

ISTOÉ

Em relação à Copa das Confederações em 2013, quatro cidades já foram escolhidas. Outras duas estão em aberto. São Paulo já está descartada?  

JÉRÔME VALCKE

Esse é um assunto que não está sendo discutido agora. A escolha das cidades será feita até junho de 2012. Estamos monitorando as obras nos estádios e até lá tomaremos uma decisão, mas São Paulo certamente não será sede da Copa das Confederações. 

ISTOÉ

O ex-atacante Romário tornou-se um dos críticos mais ferozes à Fifa, que estaria preocupada apenas com o lucro, em detrimento da soberania brasileira. O que o sr. diz?
 

JÉRÔME VALCKE

Romário é um grande jogador e sua opinião deve ser respeitada. Vivemos numa democracia e temos que conviver com opiniões diferentes. Não tenho intenção de brigar com Romário, mas posso garantir que a Fifa nunca violará a soberania de um país. 

ISTOÉ

Que impacto terá a crise econômica na Copa de 2014? 

JÉRÔME VALCKE

Hoje sabemos que o Brasil possui uma das economias mais fortes do mundo e está bem melhor do que países da Europa e os Estados Unidos. Logo, sofrerá muito menos os efeitos da crise.  

ISTOÉ

Há algum risco de o Brasil perder o direito de sediar a Copa de 2014? 

JÉRÔME VALCKE

Não, não mesmo. Está tudo bem. Tudo dará certo.