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Se fosse vivo, Tiradentes novamente teria bons motivos para lutar contra o apetite fiscal do governo central. O herói da Inconfidência Mineira ficaria ruborizado ao saber que, 215 anos depois da sua morte, o Brasil livrou-se de Portugal, mas manteve a mesma sanha tributária da época da Derrama. Na semana passada, dois fatos evidenciaram a má sorte dos brasileiros quando o assunto é imposto. Na quarta-feira 15, o governo conseguiu aprovar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara a prorrogação da CPMF por mais quatro anos. A contribuição provisória, que representa 8% da arrecadação, está mais permanente do que nunca. Em vez de extingui-la, os congressistas lamentavelmente tentam fatiála para que Estados e municípios mordam um pedaço desse bolo, que retirou R$ 284 bilhões da sociedade desde 1993. Para piorar, o governo promoveu alterações na lei do Supersimples, o programa de incentivo às micro e pequenas empresas que, em vez de simplicar, complicou a vida das empresas. Incluiu novos setores que haviam ficado de fora, mas não resolveu o problema principal: o Supersimples aumentou a carga tributária para mais de 450 mil empresas, segundo o Sebrae. Pagar impostos é necessário. Sem eles, o governo não tem as receitas que precisa para fazer a sua parte. O problema é que o Brasil cobra impostos de país desenvolvido (35% do PIB) e oferece serviços de Terceiro Mundo. Enquanto a famigerada reforma tributária não vem, os brasileiros se viram como podem para sobreviver diante de uma miríade de impostos e contribuições que sugaram R$ 817 bilhões no ano passado. O Supersimples deveria facilitar as coisas para as empresas com faturamento até R$ 2,4 milhões, já que reúne em uma única alíquota oito impostos diferentes. O governo federal diz que reduziu a carga tributária com o programa, chamado oficialmente de Simples Nacional. “No âmbito federal, a renúncia fiscal é de R$ 5,4 bilhões”, diz o secretário-executivo do Comitê Gestor do Simples Nacional, Silas Santiago. Isso acontece porque a União reduziu os impostos federais de 3% para 2,75%. Seria ótimo, não fosse por um detalhe: a lei incorporou no cálculo os impostos estaduais.

Como as pequenas e médias empresas tinham isenção de ICMS em muitos Estados e o governo não aceitou manter o benefício, o Supersimples virou uma cilada para muitos que estavam no antigo regime, o Simples. Um levantamento feito pelo Sindicato dos Contabilistas de São Paulo mostra que a carga tributária para os pequenos comerciantes aumentou 33,3%. “Em todas as faixas, só há aumento da carga tributária”, lamenta o presidente do Sindicato, Sebastião Luiz Gonçalves dos Santos. As indústrias que compravam de pequenas e médias empresas também perderam a possibilidade de compensar impostos federais. “A idéia do Supersimples é maravilhosa, mas a implementação trouxe sérios equívocos que precisam ser corrigidos”, diz Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi).

Outro agravante é a complexidade do enquadramento ao programa. Se antes havia uma única tabela e os empresários iam pagando mais conforme faturavam mais, hoje são 56 tabelas. E diversos prestadores de serviço só terão vantagens se tiverem gastos com folha de pagamento superiores a 40% de seu faturamento. Ou seja, milhares de pequenas empresas, inclusive as formadas por um único trabalhador – geralmente um profissional terceirizado que não encontra mais emprego com carteira assinada –, terão de pagar mais impostos do que antes. Em vez de estimular as pessoas a aderir à chamada economia formal para que paguem impostos, o governo está fazendo o contrário: muitos pequenos e médios empresários poderão migrar para a informalidade.

Na semana passada, diversos representantes de entidades empresariais estiveram em Brasília para tentar acalmar a sanha tributária do governo e parlamentares de sua base aliada. Até o momento, todos fracassaram. E não foi por acaso. A aprovação da constitucionalidade da CPMF na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ocorreu depois de o governo liberar R$ 70 milhões em emendas nas duas primeiras semanas do mês e distribuir cargos públicos aos deputados. O plenário da Câmara deve acompanhar a tendência da CCJ, de aprovação da contribuição por maioria. O problema do governo é no Senado, para onde vai o projeto de prorrogação do imposto. Lá, o governo terá dificuldades. São necessários 49 votos, de 81 senadores, para esticar a cobrança até 2011. O governo só dispõe de 41 votos. O DEM, com 17 senadores, fechou questão: vota pela extinção do imposto. “Vamos votar contra”, anuncia o senador Romeu Tuma (DEMSP). “O povo está cansado de pagar imposto e não ver o resultado”, reforça o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

O fato é que a CPMF foi desvirtuada ao longo dos anos. Criada em 1996, a CPMF surgiu com alíquota de 0,20% sobre todas as movimentações financeiras. O dinheiro seria usado exclusivamente para cobrir gastos com a saúde. Na primeira prorrogação, o governo aumentou a mordida para 0,38%, destinando a diferença para a previdência social. Em 2001, parte dos recursos passou a alimentar o Fundo Nacional de Combate à Pobreza. Apesar de temporária, nunca se cogitou seriamente de sua extinção. “Quem em sã consciência acha que o governo pode prescindir de R$ 38 bilhões?”, disse o presidente Lula na quarta- feira 15. A maioria em Brasília ignora que a carga tributária tem subido tanto que o governo poderia abrir mão da CPMF. Aos números: a arrecadação total da União teria crescido R$ 2,8 bilhões em termos reais no primeiro semestre deste ano, caso a CMPF tivesse sido extinta em dezembro passado, segundo cálculos do jornal O Estado de S. Paulo.

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Em vez de usar isso contra um imposto ineficiente que provoca efeito em cascata em toda a economia, os políticos disputam o botim. O PSDB propõe a redução pela metade da alíquota de 0,38% e repartição da parcela com Estados e municípios. Em vez de cortar os gastos públicos, única saída para a redução dos impostos, trabalhase em Brasília para aprovar um trem da alegria, com a contratação definitiva de 260 mil servidores temporários.

Com reportagem de Carina Rabelo, Hugo Marques, Márcio Kroehn e Rodrigo Rangel


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