A noite passa e o copo de saquê permanece cheio. A cada minuto, uma moça de rosto alvo e lábios vermelhos se prontifica a despejar delicadamente a bebida. Ajoelhada sobre o tatame, bela em um quimono de seda, a moça entretém os homens com charme e cortesia. Para isso, canta, dança, dedilha o shamisen (cítara comprida com três cordas), discorre sobre amenidades e, acima de tudo, sorri. Seus gestos são curtos e precisos. Empenhada em cobrir o cliente de mimos, chega a levar-lhe a comida à boca. Mas a intimidade pára por aí. Sexo pago é prerrogativa de outra categoria de profissionais. Se quisesse transar, o cliente chamaria uma garota de programa. Nas casas de chá onde as gueixas se “apresentam”, ele busca uma sensação diferente. Ali, o atendimento vip, a submissão dedicada e o flerte sem compromisso são as ferramentas de um erotismo singelo, exótico, tipicamente japonês. O trabalho da gueixa consiste em oferecer, por três ou quatro horas, a fantasia da mulher perfeita. Sua missão é fazer o cliente se sentir o mais interessante dos homens.

É difícil ao ocidental captar o sentido exato desse universo. Pouco importa. O fascínio exercido pelas gueixas está além de qualquer compreensão. Esse desconhecimento faz, no entanto, com que muitas pessoas confundam gueixa com prostituta, erro freqüente não apenas no Brasil, mas em todo o Ocidente. Mesmo no Japão, onde a atividade é restrita a poucas cidades, a dúvida paira sobre os mais jovens. A justificativa é histórica, mais do que cultural ou fruto de preconceito. A palavra gueixa surgiu no século XVII para designar “aquelas que vivem da arte”. Atuar era a única profissão permitida às japonesas, além de se prostituir, até 1629, quando as gueixas foram varridas dos palcos públicos. Logo encontraram refúgio em festas particulares, onde poderiam entreter os convivas sem temer a fiscalização. “Como muitas se prostituíam nesses eventos, as atividades se misturaram durante muito tempo”, conta a japanóloga Cristiane Sato. “Isso só mudou com a regulamentação das profissões. Um decretoassinado em 1779 obrigou as gueixas a se registrarem e instituiu a necessidadede elas viverem nas okiyas (casas de gueixas)”, diz a especialista.

Até a Segunda Guerra Mundial, muitas meninas eram vendidas a essas casas pela família quando a prole era vasta e o dinheiro, curto. Em geral, chegavam entre os 13 e os 15 anos, como a protagonista do filme Memórias de uma gueixa, vencedor de três estatuetas na última edição do Oscar. Mas a origem humilde só engrandecia a escalada social que todas empreendiam. Ser gueixa era motivo de status e de inveja. Para muitas mulheres, elas viviam um cotidiano de paixões, aventura e glamour nada parecido com a rotina de mãe e esposa da maioria. Independentes e solteiras, eram respeitadas, freqüentavam estabelecimentos sofisticados e tinham liberdade para transar sem compromisso. O preço era o trabalho intenso e mais de dez anos de rígida educação, com aulas de música, dança, etiqueta e habilidades manuais.

Hoje, pouca coisa mudou. A maior diferença é que, devido à ocidentalização do Japão, cada vez menos meninas são atraídas para a atividade. “Em 1920, havia 80 mil gueixas no país. Hoje, não chegam a 800. Estima-se que haja apenas 100 delas em Tóquio e não mais de 300 em Kyoto, a capital imperial”, compara Cristiane Sato. No Brasil, não há registro de desembarque de gueixas. Especula-se que a atividade despertaria pouco interesse em um país onde a sexualidade é tão explícita. Além disso, o sofisticado hábito de contratar gueixas, restrito a homens de posse, tampouco seria viável aos simplórios imigrantes camponeses que fizeram a América. Mas sonhar com elas é permitido a todos.