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A diva em close
Maria Callas sofria de obesidade e chegou a pesar quase 100 quilos em sua adolesc ência. Para emagrecer, submeteu-se a regimes pouco ortodoxos que lhe agravaram a depressão

Foi em um encontro em Milão, em 1968, que o cineasta Pier Paolo Pasolini convenceu a cantora lírica americana Maria Callas (1923-1977) a protagonizar no cinema a tragédia "Medeia", de Eurípedes. Após recusar inúmeros convites para atuar em filmes, inclusive do diretor e seu grande amigo Luchino Visconti, a artista não tinha intenção de ceder à insistência de Pasolini, mas se rendeu quando ele lhe disse:

"Há uma só razão para que você aceite: Medeia é abandonada pelo amor de sua vida, Jasão, que em busca de poder casa-se com a filha do rei." O enredo do drama de alguma forma espelhava a vida da diva – era público que ela jamais superara a separação do armador grego Aristóteles Onassis, que a deixara para se casar com Jacqueline Kennedy. Maria Callas encarou o projeto como uma vingança secreta e pessoal e foi essa a sua primeira e única atuação no cinema. O fato é narrado no livro "Orgulhosa Demais, Frágil Demais" (Record), do jornalista italiano Alfonso Signorini, que se baseou na correspondência pessoal de Maria Callas para reconstituir a sua vida – a obra está sendo levada às telas pelo diretor e produtor Guido De Angelis, e Penélope Cruz é a atriz cotada para interpretar a cantora.

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A DIVINA La Callas interpretando Norma, na ópera de Bellini: ela viveu a personagem 92 vezes na carreira

No relato de Signorini, ficção e realidade se misturam numa trama sentimental que descreve a biografada como o patinho feio de uma família desestruturada. Aos 13 anos, ela tinha aproximadamente 100 quilos e sofria com os seus tornozelos "mastodônticos", de acordo com o livro. E só ganhou atenção de sua mãe, Litsa, quando provou que seu talento poderia ser fonte de renda.

Para incentivar a filha, Litsa (grega que emigrou) a presenteou com dois canários amarelos, supondo que estudar música observando os pássaros era uma maneira mais econômica de aprender, já que seria muito caro contratar professores ou mantê-la em um conservatório.

Maria Callas, desde cedo, soube que tinha na voz o seu único trunfo e seguiu calculadamente a sua carreira focada em se tornar uma celebridade e ser aclamada pelo público. Fez amizade com colunistas sociais, como Elsa Maxwell, do jornal "The New York Times", que a inseriu em círculos requintados – nesses encontros ela teve contato com Marlene Dietrich, Grace Kelly, Marilyn Monroe e Winston Churchil, entre outras personalidades. A jornalista terminou por se apaixonar por Maria Callas, a quem dedicou um artigo emocionado e diversas cartas de amor. A diva se incomodou: "Se Elsa continuar com esses fricotes, logo pensarão que sou lésbica e eu não sou", escreveu a amigos. Por ironia, foi Elsa quem apresentou Maria Callas ao seu futuro amante, Aristóteles Onassis.

Nessa fase, "Divina", como era chamada, vivia um dos momentos mais exuberantes de sua carreira, já tendo encarnado as personagens mais desafiadoras do mundo da ópera, entre elas Flora Tosca, criada por Giacomo Puccini, e Norma, de Vincenzo Bellini, a sua favorita – a interpretou nos palcos 92 vezes. A glória artística também refletia em sua vida amorosa: Maria Callas e Onassis se separaram de seus respectivos cônjuges para viver juntos uma paixão que só terminou quando ele decidiu investir num romance com a viúva Jacqueline Kennedy (no mesmo ano em que o presidente John Kennedy foi assassinado). Inicia-se então o inferno astral da soprano, reclusa, com a carreira em decadência e acalentando o luto pelo único filho, Omero (de sua relação com Onassis), que morreu no parto.

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Embora traga trechos de correspondência inédita e ricos detalhes de sua personagem central, o livro tem passagens piegas que resvalam até na escatologia. Na galeria de fatos bizarros está a repulsiva dieta a que a cantora se submeteu: ela perdeu 17 quilos em algumas semanas após ingerir ovos de tênia, uma espécie de parasita. O método teria sido adotado por outras famosas na época, como Rita Hayworth, Greta Garbo e Marilyn Monroe. Os constantes regimes alimentares da diva teriam contribuído para a sua depressão e para o declínio de sua voz. No extremo oposto, o romance concede à sua protagonista um momento de humor ao reproduzir uma entrevista concedida no dia do casamento de Onassis e Jacqueline Kennedy, em 1968. Indagada sobre o evento, ela responde: "Estou muito feliz pelos noivos. E queria expressar meus votos especiais à senhora Jacqueline Kennedy. Ela fez muito bem, dando um avô aos seus dois filhos."