As duas turbinas Rolls-Royce foram acionadas exatamente à uma e
quarenta e três da tarde da quinta-feira 16. Acomodado à poltrona do jatinho
HS-125 que há 20 anos serve os governadores paulistas, Geraldo
Alckmin iniciava naquele instante uma decolagem para Brasília diferente de todas as outras que já fizera. Quarenta e oito horas antes, ele fora ungido como candidato a presidente da República pelos chefes do principal partido de oposição ao governo – e de cara se veria frente a frente com o homem a ser batido. “Não
tenho nada para falar com Lula”, disse à reportagem de ISTOÉ, que o acompanhou com exclusividade na viagem. Sorridente, quase exultante, Alckmin arquivou provisoriamente o sorriso toda vez que falou sobre o presidente. “Ele fez um governo sofrível e não tem mais um sonho. Agora quem vai falar é o povo.” O que
se veria na capital federal, duas horas depois, fugiu ao plano traçado no avião,
mas não por vontade de Alckmin. Ele já havia deixado o Supremo Tribunal Federal, onde assistiu à posse da presidente Ellen Gracie, sem ter apertado a mão de Lula. Assessores do presidente, no entanto, o chamaram para voltar atrás. Concedeu, mas, na foto, sorriu amarelo.

Aos 53 anos de idade e 34 de atividade política, Alckmin não está disposto a mudanças de rota para chegar aonde quer. Em sua cabeça, já desenhou o mapa da vitória. Recursos não serão problema. Seus estrategistas estimam gastos que podem chegar a R$ 50 milhões até outubro. Com apoiadores do naipe do empresário Antônio Ermírio de Moraes, que lhe declarou o voto na semana passada, e de entidades como a Fiesp, os tucanos estão certos de cumprir a meta financeira. Com essa retaguarda, o candidato, desde já, está livre para fazer apenas as contas dos votos. “Começo por onde sou menos conhecido”, diz. Da escala oficial vespertina em Brasília, Alckmin cumpriu à noite mais três horas de vôo até Belém, no Pará. Ali passaria a sexta-feira 17 a convite de entidades assistenciais que se espelharam no modelo de parceria público-privada que ele implantou em São Paulo. O quadro eleitoral da região, o próprio candidato se encarregou de checar, antes mesmo de aterrissar na capital federal, com seu convidado a bordo Almir Gabriel. “Como está o Amazonas?”, perguntou Alckmin ao ex-governador do Pará. “E o Maranhão? Roseana [Sarney] é mesmo forte?” Nem bem ouve a resposta, emenda: “Iremos bem no Piauí?”

Essas dúvidas ele pretende dirimir in loco. Seu comando de campanha, que terá paulistas como homens-chave, contará com grande influência dos governadores que o apoiaram contra José Serra na luta interna pela indicação no PSDB. “Vamos dividir a popularidade de Lula no Nordeste, montando palanques fortes para Alckmin, com a certeza de que ele vai fazer o resto do serviço no Sul”, conta o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima. Têm-se, no Nordeste, 40 milhões de votos – ou 27% do eleitorado – e os maiores índices de popularidade de Lula. Nada suficiente, porém, para abalar a confiança do candidato tucano. Diante da reportagem de ISTOÉ, Alckmin volta a sorrir ao manipular os números eleitorais que podem ser juntados até aqui. Afirma que esperava, a essa altura, ter apenas um dígito entre as intenções de voto. E faz uma rude comparação para mostrar sua sinceridade. “Dos nomes colocados, os únicos que nunca disputaram uma eleição nacional somos eu e o [Germano] Rigotto”, lembra. “Ele tem dois por cento. Eu, 20 por cento.”
– O carisma de Lula o assusta?

Uma rápida olhada para o aparelho de GPS instalado à direita de sua poltrona favorita, e rapidamente o governador rebate: “Neste país de 190 milhões de habitantes, esses comícios que ele faz não representam absolutamente nada”, desclassifica. “O que preocupa é o uso da máquina, a falta de ética. É por isso que eu vou dar um banho de ética nesta eleição.” Nem mesmo a contabilidade de que Lula teria hoje, segundo o Ibope, o dobro de suas intenções de voto causa turbulências em suas convicções. “Em São Paulo, onde há muito voto, meu governo tem 65 por cento de aprovação. O dele tem uns 30 por cento.”

Alckmin, a essa altura, não parece interessado em ter o povo na rua ao seu lado. Faz parte de sua estratégia cumprir rigorosamente dois prazos legais: o da desincompatibilização do cargo de governador, dia 31, e o de candidato oficial tucano, cuja convenção deve se realizar até 30 de junho. Viagens como a desta semana, a bordo do jatinho do governo, apenas para cumprir compromissos oficiais. Sua grande aposta está na televisão e no rádio. Ele acredita que começará a virar o jogo em agosto, com o horário eleitoral gratuito. E outra vez faz contas que lhe sorriem. Acredita que, com o PFL ao seu lado, terá metade do tempo de televisão disponível. Com sorte, no caso de o PT não firmar aliança com o PMDB, isso lhe dará o dobro de espaço em relação a Lula, aposta.

Com a certeza de que vai cumprindo com méritos sua missão, depois de deixar para trás na disputa tucana o prefeito Serra e, ao mesmo tempo, contar com ele como candidato à sua própria sucessão em São Paulo, Alckmin pede cinco minutos de pausa. Vai dormitar depois de ter almoçado a bordo. É a senha para, na poltrona ao seu lado, o vice-governador Cláudio Lembo interromper suas histórias e gargalhadas sobre Jânio Quadros. Os cinco minutos de sono se estendem por 15. Alckmin abre os olhos e, pela janela, enxerga as primeiras imagens de Brasília. Acordou de um sonho e entrou em outro.