chamada.jpg
ALVO
Testemunhas viram o cacique Nísio Gomes (abaixo) sofrer
uma emboscada. Acima, índios do acampamento dele

img.jpg

Há décadas ocorre um sangrento conflito em Mato Grosso do Sul no qual índios vêm sendo assassinados. Agora, a questão ganhou visibilidade até no Exterior por meio de um nome e um rosto: o cacique Nísio Gomes, 59 anos, possivelmente morto a tiros, de acordo com investigações da Polícia Federal, por pistoleiros na sexta-feira 18. Pertencente ao grupo indígena kaiowá-guarani, ele sofreu uma emboscada, junto com dois filhos adolescentes, em uma região próxima à fronteira do Brasil com o Paraguai, diante de testemunhas que também viram os disparos. Não é um caso isolado. “A reserva de Dourados (onde se concentra a maioria da tribo) é, talvez, a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo”, diz a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat.

Organismos internacionais estão se manifestando sobre a questão. Na quarta-feira 23, a organização mundial Rede de Ação e Informação “Food First” (Fian, na sigla em inglês), que possui status consultivo perante a ONU, divulgou documento apontando a necessidade de “medidas para garantia dos direitos humanos do povo kaiowá-guarani em Mato Grosso Sul”. A ONG Survival International afirma que “a situação naquele Estado é uma das piores entre todos os povos indígenas da América”. O representante regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Flavio Vicente Machado, relatou à ISTOÉ que a entidade está preparando uma denúncia formal da situação à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A morte do cacique Gomes é apenas mais uma dentre os 250 assassinatos de índios registrados nos últimos oito anos na região, o índice mais alto do País. Mato Grosso do Sul abriga a segunda maior população indígena brasileira e o grupo kaiowá-guarani, o maior, com quase 45 mil pessoas. O cacique sabia que estava marcado para morrer, mas decidiu liderar, com outros 60 índios, o acampamento Tekoha Guaiviry no começo do mês. E pagou com a vida por isso. As razões para o conflito são conhecidas, segundo o procurador da República em Ponta Porã, Thiago dos Santos Luz. “Isso se deve, sem dúvida nenhuma, à lentidão inconcebível na demarcação das terras indígenas”, afirma. De acordo com o procurador, até 1993, prazo máximo estabelecido pela Constituição, o território deveria ter sido demarcado, o que não aconteceu.

img1.jpg
PROTEÇÃO
A Força Nacional foi chamada para garantir a segurança na região

Essa omissão tem outras consequências. As áreas onde os índios estão concentrados viraram locais de confinamento cuja expectativa de vida é semelhante à dos países mais pobres do mundo, 45 anos. De acordo com o antropólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tonico Benites, cerca de 35 mil kaiowás-guarani vivem em 11 reservas com quase 33 mil hectares e outros dez mil sobrevivem em acampamentos na beira de estradas ou outros locais em litígio judicial. Para efeito de comparação, a reserva Raposa/Serra do Sol, demarcada em 2009, abriga 20 mil índios em 1,7 milhão de hectares.

“Essas reservas se transformaram em favelas, guetos”, afirma o antropólogo Spency Pimentel, da Universidade de São Paulo. A quantidade de terras reivindicadas pelos indígenas se aproxima de um milhão de hectares, cerca de 2,8% do território de Mato Grosso do Sul. Mas o pleito enfrenta resistência do governador, André Puccinelli (PMDB), e de alguns fazendeiros da região. Em 2007, para acelerar os trabalhos, o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai celebraram um Termo de Ajustamento de Conduta prevendo prazos para resolver a questão no Estado. Desde então, a violência na região piorou muito. Alguns fazendeiros entraram na Justiça questionando as visitas dos antropólogos e pesquisadores foram ameaçados de morte. Há documentos no MPF comprovando que uma enorme quantidade de terras foi usurpadas dos índios.

Com a morte do cacique Gomes, a Força Nacional foi deslocada para a região e permanecerá lá por alguns dias para manter os índios, que continuam ameaçados, em segurança. Segundo disse à ISTOÉ uma testemunha que acompanha o caso e teme ser identificada, os assassinatos parecem ser cometidos por um grupo criminoso organizado.“Todos os ataques são semelhantes, o tipo de bala usada e a maneira como atacam são similares. Isso pode caracterizar milícia armada ou grupo paramilitar”, diz. É preciso providências para garantir a segurança de todos na região.

img2.jpg