A Quarta-Feira de Cinzas dos tucanos promete ser marcada pelo que eles se tornaram famosos por não saber fazer: decidir. Após semanas trocando bicadas em seu próprio ninho, o pós-carnaval foi estabelecido pelos caciques do partido como a data-limite para que o prefeito de São Paulo, José Serra, afirme com todas as letras que mantém suas intenções de concorrer à Presidência da República. A respeito do governador Geraldo Alckmim, mesmo os tucanos que não querem lhe dar ouvidos já escutaram muito bem o recado: ele está sim, em toda e qualquer circunstância, com seu nome cravado como concorrente ao cargo do presidente Lula. Num frugal almoço na terça-feira 21, sob os candelabros do Palácio dos Bandeirantes, o próprio Alckmin colocou em pratos limpos sua candidatura para a trinca formada pelo ex-presidente Fernando Henrique, o presidente tucano Tasso Jereissati e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Eles foram até a ala residencial do Palácio – onde Alckmin vive há seis anos – como quem pisa em terreno adversário. Afinal, os principais movimentos do triunvirato tucano haviam sido, até ali, de franca costura pró-Serra. Naquela mesma noite, na ala vip do show do grupo irlandês U2, no estádio do Morumbi, a poucos metros da sede do governo estadual, o prefeito afirmava a amigos, apoiado na operação da cúpula, que só aceitará ser candidato se o partido fizer a ele um chamamento em uníssono.

Decifradas as senhas dos políticos,
o quadro pré-carnavalesco se mostrou bem mais alegre para Alckmin. Serra, percebendo a total disposição do governador para se manter na corrida,
já sabe que o PSDB, literalmente, trincou sua unidade. O uníssono que ele
requer, desafinou. Há, ainda, uma questão crucial. Se ele vier a ser candidato, o PSDB já sai perdendo.
A Prefeitura de São Paulo será
assumida por um político do PFL. Mesmo que, num gesto altruísta radical, Alckmin aceite abrir passagem para Serra, também aí há risco. O mandato do governador, goste-se ou não, acaba em 31 de dezembro. Com Serra, os tucanos arriscam-se a mirar no alvo da Presidência e, simultanemente, perder o comando da maior cidade do País, do maior Estado e, ainda, aumentar o desastre no caso de uma derrota nacional para Lula. Na hipótese Alckmin, o estrago será, necessariamente, menor. Por ela, Serra continua na máquina municipal, e o próprio governador, candidato a presidente, será um bom puxador de votos para os tucanos se manterem à frente do Estado. “Pensando no partido, é nítido que essa alternativa é a mais segura”, acredita o governador de Goiás, Marconi Perillo.

Com um timing melhor do que o de tucanos mais emplumados, Alckmin movimentou-se nos últimos meses sem alarde pelo País. Nesses vôos, fechou a seu favor um cordão de governadores tucanos que o protegem, agora, da pressão da cúpula. “Meu governador, se o papa é escolhido por 160 cardeais, por que nós temos de ficar limitados a apenas três para definir o presidente?”, brincou – falando sério – o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, com seu amigo e colega Aécio Neves. Estocadas desse padrão, elegantes, mas, principalmente, perfurantes, cutucaram os três tucanaços ao longo de toda a semana. O jantar de dez dias atrás, num dos restaurantes mais caros de São Paulo, no qual a cúpula dividiu talheres com Serra sem convidar Alckmin, pegou especialmente mal. “Foi uma bobagem, e eu disse isso a eles”, conta o senador Arthur Virgílio Neto. “Pareceu coisa arranjada.” No Ceará, o presidente Jereissati chegou ao limite de evitar encontrar-se com Alckmin, durante a visita dele a Fortaleza, por três vezes. “Ele está com Serra e acha que vai me enquadrar facilmente”, reagiu o governador paulista ao tomar o avião de volta. “Vamos ver.”

Fator surpresa – É certo que pesquisas de opinião divulgadas durante a semana mostraram Serra com números bem mais robustos que os do governador. Mas ambos, diante da atual fotografia da popularidade do presidente Lula, perderiam tanto no primeiro como no segundo turno. Para quem sabe fazer contas políticas,
no entanto, está claro desde já que é Alckmin o dono do maior potencial de crescimento. Serra, que no segundo turno das eleições presidenciais de 2002 chegou ao topo de 38,5% dos votos, mostrou seu limite. E ele é insuficiente para a vitória, ainda mais diante de um Lula forte e no cargo (vindo da oposição, o presidente marcou 61,1%). Alckmin, ao contrário, tem a seu favor o fator surpresa. Sabe-se que, com rejeição quase nula, pelo fato de ainda ser pouco conhecido, ele tem um potencial de crescimento cujo teto ainda não é conhecido. Além disso, como discurso de campanha, em lugar de apenas martelar a tecla do anti-Lula, Alckmin vai exibir realizações de 12 anos no governo de São Paulo. Metade desse tempo, ele foi vice do finado Mário Covas, mas as realizações entrarão todas em sua conta. “Para nós, ele certamente será o adversário mais difícil”, assinala um integrante do primeiro escalão do governo federal. Nessas circunstâncias, os tucanos partiram para a folia carnavalesca com seu trio de líderes enfraquecido, o ponteiro nas pesquisas ensaiando um recuo, mas, em compensação – e bota compensação nisso –, um poderoso elemento surpresa com as turbinas ligadas para uma decolagem de grande altitude.