O senador José Sarney é definitivamente um homem de sorte. Em 1984, ajudou a derrubar a proposta de eleições diretas para a Presidência da República, atropelou o correligionário Marco Maciel, que costurou a aliança com Tancredo Neves, virou candidato a vice-presidente e acabou governando o País por cinco anos. Sarney saiu do Planalto com inflação recorde e em baixa com o eleitorado. Ele prosseguiu na vida pública, ostentando um mandato de senador pelo Amapá, enquanto Marco Maciel e seu eterno parceiro no PFL, Jorge Bornhausen, se articulavam para dar a volta por cima: apoiaram em 1994 a candidatura de Fernando Henrique a presidente. Mas não demorou para Sarney voltar ao centro do poder. Em 1995 era presidente do Senado e, mais uma vez, um poderoso estrategista.

No primeiro mandato de FHC, Bornhausen deixava clara a estratégia do PFL: se aliava ao PSDB de olho na sucessão presidencial de 2002. Já tinha até um nome, o deputado Luís Eduardo Magalhães. Com sua morte, o PFL chegou a pensar que não teria outro destino senão apoiar um candidato tucano. Na briga com o PMDB para ver quem ficaria com a vaga de vice, Bornhausen e Maciel resolveram lançar um pefelista para aumentar o poder de barganha. Escolheram a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e encheram o horário gratuito do partido na tevê com sua imagem. Ficaram surpresos com o resultado. Roseana já atingiu quase 20% na preferência do eleitorado, superada apenas por Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Ela, por enquanto, é candidata de verdade. Vencendo as eleições, mesmo que aceitando ser vice na chapa tucana, todo o trabalho de Bornhausen e Maciel, de desvencilhar-se de Sarney, terá efeito contrário: trará de volta a família do ex-presidente ao poder.

O sortudo José Sarney está rindo à toa. Depois de um período de abatimento provocado pela notícia de problemas de saúde, ele circula remoçado pelo Senado em busca de aliados para a filha. Deixou a vida de escritor e de aprendizde diretor de cinema, acompanhou com afinco as filmagens de seu romance O dono do mar, e passou a ser frequentador das sessões da Casa que presidiu e, principalmente, das reuniões da bancada do PMDB. “Estou feliz. O sucesso da Roseana se deve ao fato de ela ser simples e o povo ter se cansado das elucubrações dos políticos”, comemora. Ele ganhou até um apelido dos colegas – Bush pai, uma referência aos dois presidentes americanos. “Não gosto dessa comparação, porque não gosto do Bush”, desdenha. Enquanto Roseana brilha, Sarney costura nos bastidores. Seu alvo é o PMDB. Já conseguiu até o apoio do líder no Senado, Renan Calheiros, que desembarcou da candidatura de Itamar Franco e está articulando uma chapa: Roseana com um vice do PMDB. “Se o PSDB continuar conduzindo a sucessão como um apêndice do Planalto, vamos acabar disputando com o PMDB a indicação do vice”, lamenta o senador Antero Barros (PSDB-MT).

Confidência – Na maratona de reuniões em meio à brigalhada de suas principais lideranças, o tucanato anunciou que definirá o candidato oficial em março. Não é bem assim. Na terça-feira 20, FHC telefonou ao senador Sérgio Machado (PMDB-CE) e o convidou para a viagem ao Ceará, onde seriam recepcionados pelo governador Tasso Jereissati, seu ferrenho adversário. Na conversa, FHC fez uma confidência: está disposto a antecipar para dezembro o anúncio de que seu candidato é o ministro da Saúde, José Serra. A mudança do cronograma é uma tentativa de evitar que Roseana se consolide de vez. FHC chegou a ter uma conversa com a mulher, Ruth, pedindo para que evitasse declarações de apoio a candidaturas de mulheres à Presidência, o que poderia ser entendido como um apoio a Roseana. Ruth bateu o pé e disse que, apesar de eleitora tucana, continuará falando em favor de uma mulher candidata. Mas a prova de que os Sarney andam mesmo com sorte foi a declaração de FHC para a TV Bandeirantes, na quinta-feira 22, ao falar sobre Roseana: O Brasil “tem uma coisa mulher”, admitiu.

Se está causando problemas no PFL, o crescimento de Roseana embaralhou de vez o jogo no PMDB. Na quarta-feira 21, a cúpula do partido se reuniu e concluiu que tem de arranjar uma brecha legal para adiar as prévias, aguardar a movimentação de FHC e, principalmente, a evolução da governadora nas pesquisas. Horas antes, a Executiva do partido reduziu de 100 mil para três mil o número de filiados com direito a voto, puxando o tapete de Itamar. Se não conseguirem adiar a votação, marcada para 20 de janeiro, a ala governista e os partidários de Roseana vão lançar a candidatura do deputado Michel Temer (SP). Ele seria uma espécie de “laranja” até a definição sobre quem o PMDB apoiaria. Se o barco for o de Roseana, Temer se credencia para ser vice na chapa. “É besteira ter um candidato só para ter candidato. Não podemos repetir os fracassos de Ulysses Guimarães e Orestes Quércia”, afirmou o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), que era um dos maiores entusiastas da candidatura própria do PMDB. Sarney, no entanto, quer mais. Discretamente, trabalha para conquistar o apoio de Itamar Franco para a filha.

Para facilitar a aproximação com o governador mineiro, Roseana o elogiou em uma entrevista. “Não descarto uma aliança, mesmo porque tenho amizade fraterna com o Itamar Franco”, disse ela. Na segunda-feira 19, Itamar devolveu a cortesia por fax: “Agradeço sua fraternidade. Lembrei-me das nossas lutas e dos nossos queridos tempos.” Supersticioso, Sarney aposta na previsão feita por um bruxo do município maranhense de Codó. O pai-de-santo chama-se Bita do Barão e disse que Sarney chegaria duas vezes à Presidência da República. Detalhe importante: Bita falou isso antes de Sarney ser ungido pela primeira vez ao Planalto.