Na semana passada 1.800 fuzileiros navais das unidades expedicionárias 15 e 26 se revezavam praticando tiro ao alvo a bordo do porta-aviões USS Kitty Hawk. Divididos em grupos de dez homens, eles descarregavam suas armas em silhuetas montadas na proa da nave. A excitação daquele contingente devia-se a ordens de alerta máximo para um possível desembarque ao sul do Afeganistão. O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, já declarara a intenção do Pentágono de mandar a tropa para as vizinhanças da cidade de Kandahar, QG e um dos derradeiros redutos do Taleban que permaneciam desafiantes. “A Aliança do Norte não se deve aventurar na região sul do país. Do contrário, arriscam ofender a sensibilidade das tribos pashtun que dominam a região, mas estão contra o Taleban, que tem a mesma origem étnica. O perigo é que a investida da Aliança provoque a união dessas tribos contra o inimigo comum. Além disso, sozinhas elas não têm força para tomar Kandahar. Esse impasse pode durar uma eternidade. Por isso, estamos considerando a alternativa de mandar os marines resolver essa questão”, disse o secretário Rumsfeld. Essa possibilidade não só justifica o frenesi de disparos no Kitty Hawk, mas também abre uma nova etapa, perigosíssima, na guerra: a de que soldados americanos, que até agora só foram vítimas de acidentes, comecem a morrer sob o fogo inimigo.

E para agitar ainda mais a massa guerreira, o porta-voz do Taleban, Tayab Agha, declarou numa coletiva em Kandahar, na quarta-feira 21, que seus companheiros não iriam entregar o sul do país. “Começamos o movimento e a formação do Emirado Islâmico do Afeganistão sem termos o controle de Cabul. Vamos defender as províncias onde ainda mantemos domínio, e, com o tempo, a responsabilidade de tomar outras províncias recairá sobre nossos ombros.” Ou seja: só saem da capital espiritual do regime para reconquistar territórios. Tayab Agha garantiu que o líder supremo do Taleban, mulá Mohammad Omar, continuava encastelado na cidade, mas negou que o radical saudita Osama Bin Laden esteja dentro da província. Para o Taleban, o paradeiro do saudita agora seria desconhecido.

No dia seguinte, enquanto a Aliança do Norte anunciava um acordo para entrar no domingo 25, na cidade de Kunduz, com a rendição incondicional das forças talebans, o tenente-general J. Kennedy, do Pentágono, disse a ISTOÉ que os Estados Unidos estavam enviando para as bases do Uzbequistão mais aeronaves de combate – incluindo os aviões de bombardeio e combate F-15E e A-10, capazes de operar em altitudes mais baixas e atacar com mais precisão as forças inimigas. O plano de vôo desta esquadrilha incluiria ida e volta a Kandahar. Sua missão: novamente pavimentar os caminhos que levam à tomada da cidade. “O Taleban sabe que essas aeronaves estão se preparando para o ataque final a Kandahar. Depois da queda de Kunduz, não haveria outra justificativa para o envio de F-15E e A-10 para o Uzbequistão”, diz o general Kennedy.

O Departamento de Defesa americano calcula que o Taleban tenha cerca de 16 mil homens encurralados em Kunduz. Pelas contas da Aliança do Norte, nada menos do que seis mil desse contingente são militantes islâmicos árabes, chechênios, paquistaneses e chineses que atenderam à convocação para a Jihad feita por Osama Bin Laden e pelo mulá Omar. O governo americano acha essa conta exagerada e calcula que a legião estrangeira islâmica não tenha mais do que mil homens no local. De qualquer modo, esses fanáticos guerreiros não estavam dispostos a entregar os pontos e prometiam no começo do cerco lutar até a morte. Apesar do acordo feito com o Taleban, até o final da semana passada a luta continuava nas cercanias da cidade. Representantes da Aliança diziam que três aviões paquistaneses tinham baixado no aeroporto de Kunduz para retirar cidadãos do país que lutavam por lá. Caso isso seja confirmado, os Estados Unidos teriam consentido secretamente em dar salvo-conduto para os guerreiros, mesmo que publicamente o secretário Rumsfeld tivesse riscado esta possibilidade das negociações.

Na verdade, as forças de elite americanas estavam fazendo guerra sem quartel aos contingentes da al-Qaeda e membros da legião estrangeira islâmica. Bombardeando pontes, impondo bloqueios nas estradas e vasculhando cavernas, os comandos das Forças Armadas dos EUA esperavam matar a liderança do grupo terrorista multinacional, como fizeram com o chefe militar da organização, Mohammed Atef. “Nosso objetivo é acabar com os líderes da al-Qaeda”, disse o general Tommy Franks, comandante da campanha americana no Afeganistão. Como reforço ao pente-fino passado no país pelos soldados, também foi lançada mundialmente a recompensa de US$ 25 milhões para quem prestasse informações que levassem à captura ou morte de Osama & Cia.

Boatos – Essa oferta criou uma enorme cacofonia de boatos, palpites e adivinhações sobre o paradeiro do saudita. “As pessoas vêm com informações que beiram o absurdo. Vários paquistaneses acreditam que Osama tenha subido aos céus a cavalo, do mesmo modo que o profeta Maomé teria feito”, disse a ISTOÉ Grace Deforest, analista do departamento antiterrorismo da Polícia de Nova York. Outra fonte, esta do Pentágono, informava que os americanos estão trabalhando com a possibilidade de Osama estar fora do Afeganistão. “Há forte desconfiança de que ele esteja no norte do Paquistão. Mas sua permanência por lá, com uma recompensa de US$ 25 milhões, passa a ser uma perigosa aposta de sua parte. Imaginamos que o único líder louco o suficiente para receber Osama seria o velho Saddam Hussein. Desde o começo da campanha, já trabalhávamos com a possibilidade de a liderança da al-Qaeda ter sido separada para melhor proteção. Uma ficara lutando no Afeganistão, outra iria para locais inóspitos do Paquistão e uma terceira prepararia o terreno no Iraque para uma eventual fuga dos outros dirigentes. Acho que Bagdá sabe muito bem onde está Osama”, disse a fonte de ISTOÉ.

De todo modo, as bolsas de aposta de Las Vegas davam dez contra um que Osama será morto. “Não há dúvida de que, se encontrado, ele será morto. O presidente Bush assinou a autorização para a condução de tribunais militares, exatamente para que a execução tivesse apoio legal”, diz a jurista Linda Peckenton. O próprio presidente não responde diretamente às perguntas sobre uma eventual execução de Osama, mas fica claro nas entrelinhas que o cartaz de “procura-se” feito pela Casa Branca não contém o chavão “vivo ou morto”, mas sim o famoso “preferivelmente morto”.