O livro Uma parisiense no Brasil (Capivara, 190 págs., R$ 25) é um achado antropológico e histórico. São predicados que podem até
assustar quem busca leitura mais amena. Mas a autora Adèle Toussaint-Samson (1826-1911) desfaz qualquer pré-concepção pela maneira com que desliza sua linguagem coloquial em primeira pessoa, associando uma infinidade de informações do Brasil do Segundo Império, sob a ótica de uma mulher moderna e intelectualizada, que teve acesso aos bastidores do cotidiano da corte. Lançado na França em 1883, a obra permaneceu sem uma segunda edição no Brasil durante todo o século XX. Em 2001, porém, a historiadora carioca Maria Inez Turazzie pinçou a raridade da coleção Geyer, doada ao Museu Imperial em 1999, e contribuiu para o relançamento que chega agora às livrarias.

Adèle era filha do ator, professor de teatro e dramaturgo Joseph-Isidore Samson. Teve uma educação à frente de seu tempo, habituada a participar de debates sociais, políticos, literários e teatrais na casa do pai. Casou-se com o dançarino Jules Toussaint, filho de franceses nascido em plagas brasileiras. Em 1848, o casal deixa a França para morar no Brasil durante dez anos, fugindo da epidemia de cólera e da revolução que naquele ano instaura a Segunda República e marca a chegada do movimento operário na Europa. Oito anos depois, Jules foi escolhido para ser professor de dança da família imperial, o que permitiu aos dois adquirir uma relativa intimidade com os governantes brasileiros.

No País, espanta-se ao descobrir que as nativas não saem à rua e as famílias não têm assunto à mesa. “Embora o povo brasileiro seja inteligente, ignora o que é a conversação”, escreve ela. Também se solidariza com o sofrimento dos escravos e se surpreende com a simplicidade da família imperial. Mesmo voltando a Paris cheia de saudades, Adèle confessa o que, mais tarde, seria constatado por muitos outros europeus fisgados pelo viço dos trópicos. Ou seja, quem um dia viveu num país banhado de sol não consegue mais reencontrar as paisagens gélidas de outro hemisfério.