18/11/2011 - 13:15
Aplaudida de pé, a presidente Dilma Rousseff sancionou nesta sexta-feira (18), "com muito orgulho", nas palavras dela, a lei que cria a Comissão da Verdade e a lei de Acesso a Informações Públicas, que facilita o acesso a documentos públicos. A nova lei cria um grupo responsável para apurar as violações de direitos ocorridas entre 1946 e 1988 – período que compreende os chamados "anos de chumbo", "sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio", de acordo com a presidente. Dilma foi presa política durante o regime militar, entre 1970 e 1972.
"O sigilo não oferecerá nunca mais guarida ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil", disse a presidente. Segundo ela, nenhum ato ou documento que atente contra os direitos humanos pode ser colocado em sigilo. "Não podemos deixar que a verdade no Brasil se corrompa com o silêncio", acrescentou.
A presidente avaliou que a importância da sanção das leis que criam a Comissão da Verdade e do acesso à informação se comparam à Consolidação das Leis Trabalhistas e à Constituição Federal de 1988. "São leis que representam um grande avanço institucional e o passo decisivo na consolidação da democracia brasileira", disse.
A presidente, no entanto, ainda não tem prazo para indicar o nome dos sete integrantes que terão a missão de ouvir depoimentos em todo o País, requisitar e analisar documentos que ajudem a esclarecer os fatos da repressão militar. O prazo para o trabalho de investigação é de dois anos.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, definiu a sanção da nova lei como um "marco histórico" na democracia brasileira. "Com a verdade nós sabemos o que deve ser feito para que os maus exemplos não se repitam mais", disse. O ministro elogiou o debate do assunto no Congresso Nacional, que segundo ele trabalhou sem disputas partidárias. "O Congresso Nacional aprovou sem disputa partidária, sem disputas internas tratando essa questão não como uma questão de governo, mas como uma questão de Estado", avaliou.
A uma plateia composta por algumas pessoas que sofreram com a repressão durante o regime militar, o ministro Cardozo reconheceu a importância das novas leis, mesmo não tendo sido preso político. "Eu não vivi os rigores que muitos dos senhores viveram na época. Eu não fui preso, eu não fui torturado, mas eu sei que todos os senhores que estão aqui, sentem na pele a conquista do povo brasileiro."
A Comissão da Verdade poderá pedir à Justiça acesso a documentos privados, investigar violações aos direitos humanos, com exceção dos crimes políticos, de motivação política e eleitorais abrangidos pela Lei da Anistia, "promover a reconstrução da história dos casos de violação de direitos humanos" e disponibilizar meios e recursos necessários para a localização e identificação dos restos mortais de desaparecidos políticos. O grupo também terá poderes de requisitar informações públicas, não importando se protegidas por sigilo, e até convocar pessoas, incluindo os militares e ex-guerrilheiros.
Para o presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Antônio Rodrigues Barbosa, não se trata de "revanchismo", mas "passar a limpo" a história "constituindo uma política de paz e marco fundamental no processo de redemocratização do Brasil e reencontro do povo brasileiro com as instituições democráticas".
Lei de acesso à informação
A nova lei vai permitir que todos os brasileiros possam consultar documentos e informações produzidos por todas as esferas da administração pública, tanto no Executivo quanto no Legislativo e Judiciário. Todos os órgãos que recebem dinheiro público terão de expor em suas páginas na internet informações completas sobre sua atuação, como contratos, licitações, gastos com obras, repasses ou transferências de recursos.
A lei também impede a manutenção de documentos mantidos em sigilo eternamente. Mesmo os documentos classificados como ultrassecretos, aqueles com informações imprescindíveis à segurança do Estado, terão prazo de proteção de sigilo: 25 anos, prorrogáveis por igual período.
Pouca estrutura é ameaça
A ausência de um órgão independente e a falta de servidores públicos capacitados deverão ser os dois maiores desafios para a implantação da Lei de Acesso à Informação no País.
A experiência brasileira não repete a do México, que em 2002 criou o Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados (Ifai), órgão independente que cuida de consolidar a legislação e funciona como intermediador entre a sociedade e o poder público.
A lei brasileira, que atinge Executivo, Legislativo e Judiciário, prevê que sejam criados serviços de informação para atender ao público e protocolar requerimentos de acesso a informações. Das que forem negadas pelo Executivo será possível recorrer à Controladoria-Geral da União (CGU).
"As principais responsabilidades estarão na CGU, que tem um papel central e importantíssimo, mas não é um órgão independente. Há um problema de os pedidos ficarem complexos, confusos, descentralizados", diz a diretora da ONG Artigo 19, Paula Martins. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo em julho, num painel sobre o tema em Brasília, a comissária do Ifai María Elena Pérez-Jaén Zermeño disse que os países de América Latina precisam de órgãos independentes para garantir o direito à informação. "O projeto de lei do Brasil deveria ser mais ambicioso, mais adequado à realidade do País", comentou.