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A medicina encontrou uma nova forma de combater um drama de dimensões mundiais, que é a crescente mortalidade por problemas cardiovasculares. Ela elegeu mais um aliado – o colesterol HDL, a porção boa das gorduras que circulam no sangue. Novas pesquisas mostram que essa fração do colesterol apresenta muitos outros poderes além da já conhecida ação como limpador das artérias – ele absorve os excessos de gordura depositados nas artérias que darão origem, com o passar do tempo, às placas que dificultam a circulação e podem levar ao infarto ou a um acidente vascular cerebral. Entre as novidades, está a importante descoberta de que ele apresenta ação antiinflamatória, função que também protege o coração.

O HDL está no centro de uma guinada sem precedentes nas pesquisas. Por mais de quatro décadas, o alvo da guerra contra os males cardiovasculares foi a redução dos valores totais do colesterol e, em especial, de um dos tipos de gorduras encontrados na sua composição, o LDL, conhecido como colesterol ruim por entupir os vasos sangüíneos. Muitos estudos atestam que exercícios, dieta e remédios como as estatinas empurram os índices para baixo. Desse modo, as chances de ter um infarto caem em até 50%. Mesmo assim, o número doenças cardiovasculares ainda é alto – calcula-se que 17 milhões de vidas no mundo sejam tiradas em 2007 por infartos e acidentes vasculares cerebrais, entre outros eventos dessa natureza.

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Por isso, as descobertas sobre o potencial protetor do HDL soam tão alvissareiras. Basta ver o que mostram números recentes. "Cada 5 mg/dl (miligramas por decilitro de sangue, a medida que aparece nos exames) a mais de HDL reduzem em cerca de 11% o risco de ter um acidente cardiovascular", afirma Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade Clínica de Dislipidemias do Instituto do Coração, em São Paulo. Outros estudos mostraram que 40% dos ataques cardíacos e outros problemas cardiovasculares ocorrem em pessoas com colesterol total normal, mas com níveis baixos de HDL. E a mais nova informação nessa área está prestes a ser veiculada no Jornal da Associação Médica Americana, uma das publicações científicas de maior prestígio no mundo. Segundo uma grande revisão de artigos médicos, pessoas com níveis de HDL menores do que 35 mg/dl têm oito vezes mais risco de sofrer um problema cardíaco comparado com aqueles que possuem HDL maior do que 65mg/dL.

 

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Constatações como essa ajudam a entender o investimento para conhecer os mecanismos de ação do colesterol amigo do coração. Uma das frentes procura decifrar como o HDL diminui a inflamação do tecido que reveste as artérias, o endotélio. A reação é ruim porque atrai para o local células de defesa e outros componentes que aceleram a formação dos ateromas, as placas que, com o passar do tempo, se rompem, dando origem aos coágulos capazes de bloquear a circulação. Também se busca saber como a presença de boas quantidades de HDL combate uma outra etapa da formação dessas placas, a oxidação do LDL. Sob a ação de enzimas presentes na fração do bem, a gordura do colesterol ruim não passa pelo processo que a torna mais agressiva, transformando-a numa espécie de célula espumosa, pronta para aderir às artérias.

A falta dessa proteção deixa os vasos mais vulneráveis ao ataque do colesterol do mal e pode antecipar os problemas cardíacos para antes dos 40 anos. É justamente esse processo que o cardiologista Santos observa na família de Wilson Borges e Silvia Teodósio. O pai e três filhos possuem uma alteração genética que leva à ausência de colesterol bom. Por isso, as garotas Gabriela, 11 anos, e Isabela, nove, o menino Rafael, cinco, e o pai possuem colesterol muito baixo. Eles são a segunda família identificada no mundo com o problema. Há outra de portugueses, moradora do Canadá. "O HLD das crianças está por volta de 25. O do Wilson e dos dois irmãos dele fica em torno de 2 mg/dl", diz Silvia.

Outra descoberta é a extrema relação entre o triglicérides (um tipo de gordura circulante no sangue) e o HDL. Uma pesquisa do InCor mostrou que, quanto mais elevada a taxa de triglicérides e menor o nível do bom colesterol, maior é a probabilidade de desenvolver o acúmulo de placas de gordura nas artérias. E quanto mais desequilibrada essa relação, maior o dano aos vasos.

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A composição do HDL também está sendo estudada. Já se discute que sua qualidade pode ser até mais importante do que a quantidade. O que se sabe é que há 12 tipos de colesterol HDL identificados até agora, alguns mais protetores do que outros. Uma das explicações seria a maior presença de uma lipoproteína chamada APO A1 na composição, fundamental para o trabalho de remoção do colesterol ruim das células. Na Itália, pesquisadores obtiveram bons resultados no controle da doença degenerativa das artérias com injeções de APO A1 em animais. Em humanos, os resultados obtidos até agora foram menos animadores. Mas a informação está sendo usada no dia-a-dia dos pacientes para refinar o diagnóstico. "Realizamos a dosagem da APO A1 em pessoas que já apresentaram evento cardiovascular sem fatores de risco que o justifiquem", explica a cardiologista Danielli Haddad, coordenadora do Check Up do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

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Animados com os benefícios do HDL, a ciência quer descobrir várias maneiras de aumentar sua produção. Uma das formas conhecidas é a administração de medicamentos. Hoje, o mais eficaz é a niacina, um tipo de vitamina B conhecido como ácido nicotínico. Em altas doses, como a tomada pela família de Wilson, por exemplo, pode elevar entre 15% e 35% o colesterol bom, mas causa efeitos colaterais como um forte rubor facial. Novas formulações estão sendo testadas e há estudos em andamento para avaliar os resultados da droga em parceria com as estatinas. Usadas para baixar o colesterol ruim, elas também oferecem uma elevação de cerca de 10% do HDL. Outra opção é o rimonabanto. Mas ele deve ser indicado para o paciente correto: obesos ou pessoas de sobrepeso com fatores de risco associados como diabete tipo 2.

As mudanças de estilo de vida também podem ter bom impacto no aumento do HDL. A prática regular de exercícios, por exemplo, eleva em até 15% a concentração de HDL. Uma análise de 25 trabalhos científicos divulgada recentemente mostrou que as atividades mais indicadas são aos aeróbios – de longa duração e baixo impacto -, como caminhar, nadar, andar de bicicleta. A pesquisa indicou também que mais importante do que a intensidade ou variação no tipo de exercício é a duração de cada sessão. Os pesquisadores avaliaram 1404 pessoas em sessões de 24 a 73 minutos. Concluíram que cada dez minutos a mais na duração do exercício corresponderam a 1,4 mg/dl de elevação do HDL. Para que o efeito persista, evidentemente, deve-se fazer exercícios entre três e cinco vezes por semana. O experiente Mauro Guiseline, 56 anos, autor de 20 livros sobre atividade física e coordenador do Instituto Runner, um centro de pesquisas criado há dois anos, constatou o poder dessa verdade na pele. Ocupado com um grande levantamento sobre as condições em que os novatos chegam à academia, reduziu seu ritmo de exercícios. "Quando fiz meus exames de rotina, vi que o HDL tinha caído para 32. Aumentei a atividade física e em três meses ele subiu para 48 novamente", diz. Outra medida que estimula a produção do HDL é deixar de fumar. "O cigarro abaixa o HDL e aumenta o mau colesterol", explica o cardiologista Marco Antônio de Mattos, do Instituto Nacional de Cardiologia, do Rio de Janeiro.

Prestar atenção no cardápio também deve fazer parte do processo de elevação do HDL. Embora a alimentação tenha muito menos impacto neste sentido, ela pode ajudar. Uma avaliação das evidências contidas em vários artigos científicos atestou que acrescentar alimentos ricos em ômega 3 à dieta, como sardinha e margarinas e leite enriquecidos, pode ser útil. Porém há uma corrente de médicos que discute se isso vale para peixes de criadouro, que não teriam boas quantidades do composto. Além disso, alimentos como azeite extravirgem, nozes e grãos também auxiliam. Mais: segundo os especialistas, tomar um ou dois drinques por dia, o equivalente a 15 gramas de álcool para mulheres e 30 para homens, também oferece uma discreta ajuda à elevação do HDL. O grande cuidado, no entanto, é não aumentar demais a ingestão de calorias e carboidratos. Afinal, outro jeito eficiente para aumentar o colesterol bom é perder peso e a gordura abdominal. Sabe-se que os obesos apresentam quantidades menores do colesterol protetor. O ideal mesmo é combinar os recursos para melhorar a quantidade do bom colesterol. Cada ponto a mais significa um corpo mais saudável.