Psicóloga afirma que conhecer as emoções por trás das doenças e ouvir as teorias dos pacientes, ainda que fantasiosas, ajudam a sarar mais rápido

Causa espanto ouvir a psicóloga Denise Ramos, 57 anos, coordenadora da pós-graduação em psicologia clínica da PUC/SP, afirmar que a psicologia é a mais atrasada das ciências. “Por causa do lucro, os laboratórios investem muito em estudos com remédios e pouco ou nada em pesquisas sobre as relações entre a mente e a saúde”, diz ela, que tomou para si o desafio de convencer acadêmicos, médicos e pacientes da importância das emoções no entendimento, cura e prevenção das doenças. “A crença de que existe uma separação entre o organismo e a mente foi útil no passado para a medicina dissecar o corpo sem culpa e compreendê-lo melhor. Mas agora é uma idéia antiga e ultrapassada”, analisa. Há um mês, ela lançou mais uma edição do livro A psique do corpo (ed. Summus). A obra já vendeu oito mil exemplares e foi publicada na Inglaterra e nos Estados Unidos. Logo após dar esta entrevista a ISTOÉ, Denise viajou à Suíça para explicar a uma platéia de especialistas o método que criou para identificar as torrentes emocionais e sua ligação com as enfermidades. “Não se pode dividir o homem em metades, uma cuidada pelo psicólogo e outra pelo médico”, resume.

ISTOÉ – Toda doença está relacionada a uma emoção?
Denise Ramos

Corpo e mente são uma coisa só. Não existe uma reação orgânica sem uma repercussão mental. E todo evento mental tem repercussão no organismo. O que importa não é se você teve uma gastroenterite porque comeu algo estragado, mas o efeito que esse mal-estar pode fazer na sua psique. Você pode sentir-se mais frágil, mais vulnerável ou até ter fantasias de que graças à gastroenterite você está se livrando de coisas “ruins” que engoliu sem querer. A doença sempre tem um lado metafórico que precisa ser observado. Dependendo do simbolismo que o indivíduo dá a ela, a cura pode ser mais rápida ou mais difícil.
 

ISTOÉ – E o que é a psique?
Denise Ramos

 Talvez seja um dos fenômenos mais difíceis de ser definidos. Os hindus têm uma metáfora bonita que ajuda a explicá-la. Eles dizem que o corpo é como um envelope para a psique. Quanto mais saudável ele for, melhores condições a psique tem para se expressar e vice-versa.
 

ISTOÉ – Qual é o caminho percorrido por um conflito emocional até transformar-se em mal-estar físico?
Denise Ramos

 As doenças têm múltiplas causas, entre elas aspectos genéticos e circunstâncias emocionais que podem gerar males a curto ou longo prazo. E apesar da grande dificuldade de demonstrar os mecanismos pelos quais ocorre a interação entre os sentimentos e as alterações fisiológicas, levando a doenças, a ciência vem fazendo descobertas. Estudos mostram, por exemplo, que a depressão profunda afeta o desempenho do sistema imunológico. Em situações de extremo stress, células de defesa têm sua produção diminuída, facilitando infecções ou o desenvolvimento de um tumor maligno a longo prazo.

ISTOÉ – A sra. já disse que a doença pode ser vista como uma bússola. Pode explicar melhor?
Denise Ramos

 Elas podem ser vistas como uma proteção à medida que sinalizam a presença de um desequilíbrio no organismo e que ele precisa de cuidados como um todo. A enfermidade explica algo sobre o momento de vida. Evidentemente, essa abordagem não exclui o tratamento orgânico. Meus pacientes são obrigados a fazer o tratamento médico.
 

ISTOÉ – De que forma os médicos lidam com o lado emocional da doença?
Denise Ramos

Não lidam. Eles ignoram as emoções associadas ao adoecimento,
embora elas façam uma grande diferença. Por exemplo, na ocorrência de um segundo infarto. Tenho muitos doentes cardíacos. Vários são executivos que fazem check-up e estão em forma, mas de repente adoecem. O que aconteceu? Um deles tinha a convicção de que infartara por causa de uma crise de pressão alta e nada mais. Até que comprou um medidor para monitorar a pressão e viu que ela subia toda vez que ia a uma determinada reunião. A maquininha provou a ele que a psique existe e reage. E que havia uma enorme pressão externa que se transformava em pressão interna.
 

ISTOÉ – Os médicos deveriam perguntar por que o doente acha que infartou e valorizar a resposta, ainda que ela pareça fantasiosa?
Denise Ramos

Sim. Devemos sempre perguntar e levar em consideração as causas que o paciente atribui ao seu adoecimento. Elas são verdades psicológicas que revelam como a pessoa está vivendo e quais as questões existenciais que enfrenta. Essa fala deve ser incluída no diagnóstico e no tratamento. O paciente não inventa histórias. Quando tem a oportunidade de ser ouvido, ele fala de suas dores, as quais têm várias dimensões. O corpo é só uma entre elas. Uma de nossas pesquisadoras, Heloísa Galan, entrevistou mulheres vítimas de infarto em São Paulo. Todas disseram ter sofrido a crise depois de uma briga ou desilusão amorosa. As doenças do coração continuarão sendo a primeira causa de morte em muitos países, apesar dos avanços da medicina, enquanto o coração for visto só como uma bomba mecânica e não incorporarmos a psique e a consciência como parte do corpo. Além de uma bomba orgânica, o coração é um símbolo central no funcionamento da nossa psique, pleno de significados desde os primórdios da humanidade. É o primeiro e mais rápido órgão a reagir a acontecimentos amorosos.

ISTOÉ – Há diversos livros sobre a ligação entre perfis psicológicos, emoções e enfermidades. Associam a raiva a ataque cardíaco, tristeza a câncer, etc. Não é picaretagem?
Denise Ramos

 Não se pode dizer que pessoas com este ou aquele perfil tenham determinado tipo de doença. Nossa matriz psicológica e nosso corpo são complexos. E a doença depende das características genéticas, agentes físicos, além das experiências, memórias e do significado que o indivíduo atribui à sua vida. O que se pode dizer é que certos tipos de personalidade agem de forma a causar maior desequilíbrio fisiológico e psíquico, o que, por sua vez, aumenta o risco de desenvolver uma ou outra doença.

ISTOÉ – A sra. cita um doente que sentia a cicatriz doer toda vez que vivia uma situação que lembrava traumas antigos.
Denise Ramos

Trata-se da memória celular. Tudo que nos acontece fica gravado em nosso corpo. Portanto, quando um evento causa uma emoção semelhante à do trauma original, é altamente provável desenvolvermos os mesmos sintomas físicos e emocionais da ocasião traumática.
 

ISTOÉ – Apenas as memórias ruins têm importância para a saúde?
Denise Ramos

 Não. As boas são fundamentais na promoção da saúde. Quando dou palestras, é interessante observar como os executivos aproveitam os exercícios de reviver momentos felizes da infância. As pessoas se surpreendem porque, em geral, eram momentos nos quais não tinha acontecido nada de especial e eles riam felizes. Essa lembrança traz consigo a possibilidade de desenvolver o bom humor e a capacidade de discriminar o que é realmente importante, dando a devida distância aos problemas.
 

ISTOÉ – Em que medida trabalhar com essas e outras emoções ajuda na recuperação e na cura?
Denise Ramos

 O indivíduo descobre que dentro dele existe alegria, um desejo de viver, que há recursos internos para superar momentos difíceis na vida.

ISTOÉ – Quais as evidências científicas de que um tratamento psicológico melhora a condição do paciente?
Denise Ramos

 Há diversos estudos. Uma pesquisa mais recente mostrou, por exemplo, que pacientes de câncer que contam com tratamento psicológico têm melhor qualidade de vida e cerca de dois anos a mais de sobrevida do que aqueles que não usufruem desse apoio.
 

ISTOÉ – É possível viver sem enfermidades?
Denise Ramos

 O que você está dizendo é se é possível não se desequilibrar ao longo
da vida. A doença e o desequilíbrio, assim como a busca da saúde, fazem parte da vida. O importante é manter a consciência atenta e aprender a fazer higiene emocional diária.
 

ISTOÉ – O que é higiene emocional?
Denise Ramos

 É cuidar dos nossos sonhos, sentimentos e relacionamentos. Na escola, aprendemos como funciona o corpo, mas nada sobre cuidar da saúde mental. Não aprendemos o que fazer com os nossos sonhos, conflitos e dores. Alguém na escola ensinou você a expressar e lidar com seus sentimentos? Questões como essas raramente são discutidas em casa ou no colégio e deveriam fazer parte do currículo escolar. Em algumas escolas na Europa já estão ensinando filosofia e psicologia para crianças, com resultados excelentes. Acredito que esse contato maior com as emoções desde a infância é um ótimo caminho para uma vida saudável.

ISTOÉ – A sra. criou um método para trabalhar com as emoções e a doença?
Denise Ramos

 Sim. Desenvolvi um método baseado na teoria junguiana [criada por Carl Gustav Jung], que permite ao doente e ao profissional desenvolverem um raciocínio mais integral sobre o significado da doença. É diferente da medicina psicossomática, que apareceu no século XIX, e afundou logo depois, porque via as emoções como causa dos males. Eu não raciocino em termos de causalidade, relacionando a emoção tal com a doença tal. Não importa a causa e não estou preocupada em explicar a origem das doenças a partir das emoções.

ISTOÉ – Como é o método?
Denise Ramos

 Basicamente, toda doença tem um significado único para o seu portador e isso deve ser entendido dentro do contexto atual de vida. Vou dar um exemplo. Um paciente que tive não passava em nenhum exame de seleção porque tinha diarréia durante os testes e precisava sair correndo. O problema não era o teste, pois ele era tremendamente capaz. Era o medo de não passar. Aquilo gerava uma tensão tão grande que o corpo queria expulsar o que lhe fazia mal. Com a terapia, descobrimos que ele estava reagindo à família, que tinha grandes expectativas sobre ele, e ao pai, que lhe dava surras toda vez que ia mal na escola. A chance de não ir bem no teste significava uma reprovação mortal. Trabalhar com essas emoções ajudou-o a superar o sintoma.

ISTOÉ – Como entrar em contato com as emoções e memórias por trás das doenças?
Denise Ramos

 Temos um conhecimento psicológico
do nosso corpo muito maior do que nos damos
conta. Uma das formas de entrar em contato com
esse conhecimento é a imaginação. Diante de um sintoma, qualquer um de nós pode procurar uma imagem que corresponda ao seu desconforto e estabelecer um diálogo com ela. Um paciente
infartado imaginou que um homem com granadas na mão corria por suas veias e artérias. Esse paciente não conseguia seguir as recomendações para ter uma vida mais tranqüila e com menos trabalho porque havia dentro dele uma enorme pressão para ser eficiente. Em sua imaginação, lembrou do pai – figura autoritária e que o punia severamente quando não era o primeiro da classe. O temor da explosão do pai foi incorporado no seu sistema cardiovascular. Esse medo inconsciente era maior do que o pavor de morrer sem cumprir suas tarefas. Nesses casos, um tratamento unicamente médico terá efeito só por algum tempo, pois rapidamente antigos hábitos voltarão junto com a hipertensão e um novo infarto pode ocorrer. Mas incorporando a dimensão simbólica como parte do tratamento podemos agir na profilaxia.

ISTOÉ – Pode-se fazer esse trabalho sem a ajuda de um terapeuta?
Denise Ramos

Sim. Mas precisamos aprender a desenvolver uma consciência do corpo e entender que ele não é só tecidos e músculos. O nosso organismo é altamente simbólico e projetamos sobre ele conteúdos inconscientes e cheios de significado. Pensar sobre isso pode nos ajudar.