IMPACTO Bater de cabeça reúne 99 lobos de papel machê e resina

Quem está congestionando as rampas em espiral que acessam os sete andares do Museu Guggenheim, em Nova York, ainda é um ilustre desconhecido: o artista chinês Cai Guo-Qiang (pronuncia-se sai guo chiang). Ele começa a ganhar fama agora porque ninguém se mantém anônimo expondo a sua obra no Guggenheim e seu nome explodirá no mundo em agosto num evento que nada tem a ver diretamente com o seu ofício – Cai Guo-Qiang é quem vai cuidar dos espetáculos pirotécnicos da abertura e do encerramento da Olimpíada de Pequim. Essa é a primeira vez que o museu nova-iorquino dedica uma exposição a um artista chinês e Qiang soube se fazer presente: ocupou todo o espaço com instalações gigantescas, a começar pela bilheteria. Semelhante a um imenso móbile, a obra Inoportuno: estágio um mostra nove carros brancos reais dependurados em cabos de aço até a rotunda do edifício. Dentro deles, raios de néons piscam sem parar, intensificando a idéia de movimento. Não tem quem não se lembre de carros-bomba. Mais: o vôo dos automóveis é tão bem desenhado no ar que a sensação é de espanto e encantamento.

Alinhado com o momento de espetacularização das artes visuais, o artista não dá trégua no percurso que reúne 80 obras, entre pinturas, desenhos, vídeos e sete impactantes instalações. Logo após passar sob os carros, o visitante depara- se com Inoportuno: estágio dois, que consiste em nove tigres cravados por dezenas de flechas de bambu. Os animais, feitos de papel machê e resina, “contorcem- se” livremente no ar com expressão de dor e fúria. O mesmo se dá com a obra mais envolvente, Bater de cabeça, formada por um “vôo” de 99 lobos que saltam do chão em direção a uma suposta presa, mas acabam chocando-se com uma parede de vidro. Essa obra de Qiang refere-se à queda do Muro de Berlim: “Queria passar a idéia de uma fronteira transparente, difícil de se ver e mais difícil ainda de se ultrapassar.”

Criado durante a Revolução Cultural chinesa, Qiang, 50 anos, saiu de seu país porque se sentia sufocado pela tradição. Queria novos ares. Foi então para o Japão e morou em Tóquio por nove anos. Depois seguiu para Nova York, onde tem um ateliê na parte baixa de Manhattan. Apesar de criar instalações bastante imaginativas, produto de seus estudos em artes cênicas, Qiang (o mais caro artista chinês da atualidade) ficou conhecido pelos chamados “desenhos de pólvora”. Trata- se de trabalhos cujos contornos são obtidos por meio da explosão da pólvora sobre papel japonês e que chegam a valer US$ 9,5 milhões – preço da série vendida pela Christie’s em novembro do ano passado. Paralelamente a essas obras, ele passou a criar os “eventos explosivos”, ou seja, arte que usa e abusa de fogos de artifício. Um dos mais famosos “eventos” dessa natureza se deu em 1993, quando Qiang espalhou 600 quilos de pólvora numa extensão de dez quilômetros no deserto de Gobi, criando um prolongamento luminoso (e efêmero) da Grande Muralha da China.

O artista já promoveu esses “eventos” (ele não gosta do termo espetáculo) em mais de 20 cidades do mundo e seu ápice acontecerá, é claro, na Olimpíada: o público previsto é de quatro bilhões de telespectadores. A mania de Qiang por pólvora tem uma explicação ambiental: na sua cidade, Quantzhou, as crianças costumavam trabalhar em fábricas de fogos. Ele lembra também que o explosivo é uma invenção chinesa, descoberta por acaso por alquimistas do século XVIII quando eles buscavam um mágico elixir. Esses detalhes ajudam a entender o trabalho desse artista multimídia, vencedor da Bienal de Veneza de 1999 e destaque de duas bienais de São Paulo. A sua fervilhante cabeça mistura a filosofia taoísta, a milenar história de seu país e o marxismo filtrado pela Revolução Cultural chinesa. Numa ironia ao fracasso do comunismo, ele levou para os EUA os trabalhadores japoneses do porto de Iwaki, que desencalharam o barco pesqueiro usado na instalação Reflexão – um presente de Iwaki, feita em trabalho coletivo: as ruínas do navio repousam sobre um mar de cacos de louça branca.

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LOBOS EM PELE DE CORDEIROS
Assim como os tigres, a matilha de Qiang é uma verdadeira coleção de lobos em pele de cordeiros: seus pêlos são, na verdade, extraídos de ovelhas. Radicado em Nova York desde 1995, o artista encomenda os animais ao seu irmão, dono de um ateliê de artesanato na sua cidade natal, Quantzhou, ao sul da China

FOTOS: DAVID HEALD


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