Existe no Brasil uma maneira muito popular de se dizer que uma questão será esclarecida: colocar o preto no branco. No caso do esclarecimento da origem racial da superpopular padroeira do Brasil, vale o contrário: colocaram o branco no preto. É isso: Nossa Senhora da Aparecida não é negra, é branca. Desposa essa tese o historiador Lourival Santos, da Universidade de São Paulo. Ele tinha a martelar a sua cabeça a seguinte pergunta: “Num país onde até muitos negros querem ser brancos, por que a padroeira é negra?” O historiador começou então a sua peregrinação pelas origens da negritude da santa. Acabou descobrindo que ela enegreceu por descuido e devido às condições precárias em que se deu a sua conservação desde o século XVIII.

“A santa sofreu um processo de enegrecimento físico-químico”, diz Santos. Explica-se: a imagem foi puxada pela rede de pescadores no rio Paraíba, no interior de São Paulo. Eles a resgataram já meio amarronzada pela ação da água, quebrada em dois pedaços e por isso a primeira providência foi juntar-lhe cabeça e corpo com um parafuso. Depois disso, a imagem foi mantida em um santuário próximo a um forno de carvão vegetal. Ela não resistiu à fuligem – e ficou preta. Some-se a isso o excesso de fumaça das velas que os devotos acendiam nesse pequeno santuário.

Uma das provas mais contundentes da brancura de Nossa Senhora Aparecida é relativamente recente. Em 1978, a peça precisou ser reconstruída depois que um jovem evangélico de 18 anos, muito bravo, entrou na Basílica de Aparecida do Norte, deu um safanão na santa e a jogou no chão – a imagem ficou estilhaçada em 167 pedaços. Durante o processo de sua restauração, a equipe técnica informou a autoridades da Igreja Católica que a imagem era branca e que a cor negra era sujeira e fuligem pura – com o perdão da palavra, um encardido que o tempo impregnou. O alto clero não titubeou: mandou pintar a imagem de preto, e reforçar tal pintura com diversas camadas de tinta. “Ela, com a sua tradição negra, é o objeto de culto mais importante deste país”, diz o historiador Santos.