Dois fatos ocorridos na Escócia na semana passada repercutiram entre a comunidade médica mundial. Nada a ver com grandes descobertas ou um tratamento inovador. O que chamou a atenção foi um pedido – público – de desculpas feito por duas instituições daquele país a pacientes e familiares vítimas de erros no atendimento. O primeiro caso envolveu Lisa Norris, 15 anos, portadora de um tumor cerebral. Paciente do Beatson Oncology Center, de Glasgow, a adolescente submetia-se à radioterapia e recebeu uma overdose de radiação que provocou queimaduras em seu corpo. O médico Alan Rodger, responsável pelo centro, reconheceu o acidente e se desculpou. “Foi um erro humano. Estamos conscientes da angústia que causamos a Lisa e a sua família e lamentamos o que aconteceu”, declarou. Três dias depois, autoridades de saúde de Glasgow voltaram à cena para divulgar novas desculpas, desta vez aos parentes de Barbara Maguire, 51 anos. A paciente morreu após ter sido medicada com remédios que, na verdade, haviam sido receitados à doente que ocupara anteriormente seu leito.

Por que as atitudes ganharam destaque? Simplesmente porque são pouco comuns. No entanto, a postura dos escoceses sinaliza uma mudança de comportamento já notada entre os especialistas. Em nome do fortalecimento da relação entre médicos e pacientes, muitos têm adotado uma posição de transparência, envolvendo aí a admissão de equívocos. Nos Estados Unidos, essa nova política faz parte das diretrizes oficiais de algumas instituições. Uma delas é o Johns Hopkins Hospital, em Baltimore. Lá, os médicos recebem treinamento para saber como conversar com doentes ou familiares após um erro. O resultado da iniciativa é positivo. “A experiência está mostrando que pedir desculpas não é apenas a coisa certa a fazer. Isso também reduz a ansiedade e a hostilidade entre os envolvidos e pode diminuir o número de processos”, declarou a ISTOÉ Joann Rodgers, porta-voz da instituição.

No Brasil, ainda não há programas do gênero. Mas muitos profissionais trilham o mesmo caminho. O psiquiatra Márcio Bernik, de São Paulo, por exemplo, não vê problemas nessa opção. “Pedir desculpas faz parte da educação. Se alguém pisa no seu pé, você espera que se desculpe. Por que um médico não se desculparia diante de um engano?”, defende. Ele próprio, no início da carreira, não teve melindres em contar à família de um jovem paciente que havia feito um diagnóstico errado. Por aqui, também há uma ênfase cada vez maior em informar o doente sobre o procedimento, os riscos de ocorrer algo fora do desejado e contar ao paciente ou aos familiares nas ocasiões em que isso de fato acontece. “Quando há uma relação adequada, o doente sabe que pode haver complicações”, afirma Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.

Para Elias Knobel, vice-presidente do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, é fundamental que o profissional se apóie em dois alicerces: transparência e documentação. “É preciso explicar o que vai acontecer e os riscos inerentes ao procedimento. Também é necessário registrar cada passo dado no tratamento e informar quando algo não saiu dentro do esperado”, afirma. A mesma postura é seguida pelo anestesiologista Wilson Nogueira Soares Jr., 53 anos, de São Paulo. “Informo pacientes e familiares sobre os procedimentos e também sobre insucessos. E me coloco disponível para resolver qualquer problema”, conta. Sua atitude conquista a confiança de quem está do outro lado. A médica Adele Lapin, 56 anos, sempre que tem de ser submetida a uma cirurgia – e foram algumas até hoje –, recorre ao colega. “Confio plenamente nele. Sua maneira de agir, dando informações e estando presente, dá muito conforto”, diz.