Madrugada da sexta-feira 10, em Belo Horizonte. O dia ainda não clareou, mas 255 policiais federais e 50 agentes da Receita estão prestes a prender uma quadrilha de perigosos e milionários contrabandistas de diamantes. O maior deles é Hassan Ahmad, responsável por vendas ilegais para o Exterior de US$ 1 bilhão em pedras preciosas brasileiras. Nascido em Serra Leoa, registrado no Líbano e dono de passaporte belga, Ahmad também é investigado pelo serviço secreto americano por lavagem de dinheiro de Osama Bin Laden e da Al-Qaeda. Naquela madrugada, estava ao alcance das garras da polícia.

Fortemente armados, 30 agentes se dividem. Enquanto um grupo fecha todas as entradas do Agmar Glass Tower, luxuoso prédio comercial situado no local de metro quadrado mais caro da capital mineira, outro pelotão, pelas escadas, chega ao bunker de Ahmad no 15º andar. No mesmo momento, mais 20 investigadores monitoram o Hotel Liberty, o cinco-estrelas onde mora o contrabandista. O cerco está fechado. Hora de pôr as mãos em Ahmad. Os policiais invadem as salas 1501 e 1502 de seu escritório de 134 metros quadrados e deparam com um sistema de segurança, tipo caixa-forte, com três portas de aço controladas eletronicamente. A certeza de que algo não estava no roteiro surge quando a tropa não encontra obstáculos ou sinais de resistência. As portas de segurança do bunker estão escancaradas. A quadrilha dava pistas de que sabia da operação ao deixar as chaves de dois cofres em cima da mesa, sem ativação dos segredos. Não havia dinheiro, nem diamantes, nem sombra de Ahmad. Atônitos, os agentes pegam o telefone e comunicam ao delegado-chefe da operação: “Doutor, o xeque fugiu.”

Este foi o segundo drible de Ahmad na polícia em menos de 48 horas. Na quarta-feira 8, desapareceu, de forma espetacular, do hotel onde morava, apesar da presença de vários policiais – alguns fluentes em árabe – que lá se hospedaram para prendê-lo. Mesmo monitorado, o contrabandista quitou suas diárias vencidas, conseguiu esconder sua Mercedes, avaliada em R$ 300 mil, e, como prova de que é um hóspede fiel aos serviços do Liberty, pagou antecipadamente R$ 8 mil para assegurar seus aposentos até o fim do mês. Na terça-feira 14, o governo desmontou o esquema de Ahmad ao suspender as vendas de diamantes para o Exterior. O ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, proibiu as emissões de certificados Kymberley, documentos indispensáveis para as exportações. A medida será mantida até que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) conclua as investigações sobre venda ilegal de diamante para fora do País, principal objeto da Operação Carbono, desencadeada para deter a organização do libanês. O chefe do 3º Distrito do DNPM em Minas, Luiz Eduardo de Castro, foi demitido pelo ministro.

A quadrilha de Ahmad joga pesado. Segundo o Ministério Público, ela tem a ajuda de servidores corruptos que emitem falsas informações para a emissão desses certificados. Nos sete anos em que vive em Minas, sua organização movimentou US$ 1 bilhão. Ele pagava propina em dinheiro aos servidores e também proporcionava grandes festas em fazendas de amigos. A polícia já tem provas de que é dessa forma que esquentava, por exemplo, os diamantes retirados ilegalmente na reserva Roosevelt dos índios cinta-larga em Rondônia. É desta mesma maneira que Ahmad “legaliza” diamantes vindos da África. Segundo a PF, o contrabandista tem negócios com a Bélgica, o Líbano, a Alemanha e Israel. Os números, quando se trata de exportação legal, impressionam: de cada dez pedras saídas de Minas, maior produtor oficial de diamantes do País, oito são vendidas por Ahmad.

O crime parece correr nas veias de Ahmad. Há dois anos, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, citou o nome do pai do contrabandista, Said Ali Ahmad, no relatório S/2003/1.207. Remetido ao Conselho de Segurança da Instituição, o documento denuncia o envolvimento da família em extração ilegal e contrabando de pedras preciosas na África. Os Ahmad fazem parte do que a ONU batizou de “Diamantes de sangue”. Criminosos como eles sustentam as guerrilhas na África. As ligações dos Ahmad com o crime organizado não param por aí. O Departamento Antidrogas dos EUA (DEA) investiga desde 2002 a ligação do grupo com o narcotráfico e organizações terroristas.

Se nos negócios criminosos Hassan Ahmad, 42 anos, transita com desenvoltura, no meio social quase ninguém o conhece. Não freqüenta festas nem colunas sociais. “Só vai à casa de garotas de programa”, diz um investigador. Suas constantes incursões pela boate New Sagitarius Nigth Club fazem a alegria das dançarinas. A ISTOÉ, uma delas confirma. “Ele não saía daqui, era carente, né? Nós o tratamos como o xeque, porque ele fala muito mal o português e não reclama do preço do programa”, diz Dani Oliveira.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Em 2003, após fechar um grande negócio num garimpo em Abadia dos Dourados, interior de Minas, Ahmed sobrevoou o lugarejo jogando dinheiro de um helicóptero. João Monteiro, morador local, não esquece aquele dia: “Foram R$ 5 mil em notas
de 50”, recorda. O “xeque” disse aos poucos amigos que sua intenção era “ajudar os pobres”. Outro entretenimento do libanês era assistir aos shows de dança do ventre no restaurante Vila Árabe, do amigo doleiro Gaby Amine Toufic Madi, que se entregou às autoridades na mesma semana em que Ahmad driblou a PF. Gaby é acusado de lavar o dinheiro do amigo contrabandista no Exterior. Mas nem tudo era brilhante para Ahmad no Brasil. Ele criticava o governo por causa das dificuldades de conseguir um visto de permanência. “Não deixam a gente trabalhar aqui”, reclamava. Imagina se deixassem.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias