Criar novas formas de proteção contra o HIV, o vírus da Aids, é um dos maiores desafios da ciência. Uma das linhas de pesquisa nesse sentido é a que busca outros métodos para impedir o contágio durante o ato sexual que poderiam ser uma alternativa à camisinha. Existem vários estudos nessa área e pelo menos um deles se revela bastante promissor. Na semana passada, cientistas americanos e ingleses anunciaram em um artigo publicado na revista Nature, respeitada publicação científica, a criação de um anticorpo monoclonal capaz de bloquear a
transmissão sexual do HIV. Anticorpos monoclonais são drogas que transitam no organismo como mísseis dirigidos para um alvo certeiro. Neste caso específico, o anticorpo, chamado provisoriamente de
b12, se encarrega de neutralizar o vírus. A substância se mistura
à uma proteína (GP120) existente no revestimento do vírus e a
modifica de tal maneira que ele não consegue entrar nas células.
Desse modo, fecha a porta de acesso do HIV ao organismo.

O estudo ainda é inicial, mas gerou grande expectativa. Afinal, pode dar origem ao primeiro produto contra o HIV para ser aplicado na vagina ou no ânus. Testado em macacas, deu bons resultados. A substância foi aplicada na vagina de 12 animais na forma líquida e em gel duas horas antes de elas serem expostas ao SIV (vírus da imunodeficiência adquirida símio), o HIV dos macacos. “Nove não se infectaram. Isso quer dizer que o anticorpo conteve a transmissão. Houve só uma exposição ao vírus, mas existe, inclusive, a possibilidade de que essa proteção seja permanente”, disse a ISTOÉ o cientista John Moore, da Universidade Cornell (EUA), um dos autores do trabalho. Em outro grupo de 13 animais que não receberam o anticorpo, 12 contraíram o HIV. Tanto o sistema de defesa do corpo como a infecção nesses animais têm características semelhantes ao ocorrido no organismo humano.

A perspectiva é a de que os testes em pessoas comecem em dois anos. Até lá, os cientistas pretendem encontrar meios de baratear ainda mais a produção da substância e ampliar sua ação. “Produzimos o anticorpo a partir de células animais e depois o melhoramos em laboratório para diminuir as reações. O próximo passo será tentar produzi-lo por engenharia molecular usando plantas”, disse a ISTOÉ o cientista Dennis Burton, do Departamento de Imunologia do Scripps Research Institute, na Califórnia (EUA), outro participante do estudo. “Ainda que o uso em pessoas seja uma suposição, esperamos que esse anticorpo reduza a infecção por qualquer tipo de HIV existente no sêmen”, acredita Moore. Ele desmente a notícia de ter criado um gel anti-Aids. “Pode ser injeção, creme ou gel. Isso não está decidido”, diz.

O estudo despertou curiosidade entre médicos. “É um trabalho que surpreende porque a proposta é simples e está dando certo. Poderá ser uma grande ajuda para reduzir a epidemia”, diz o infectologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo. Hoje, a Aids afeta cerca de 42 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, há 222 mil casos comprovados e estima-se que existam cerca de 600 mil pessoas soropositivas, porém ainda sem sintomas ou não diagnosticadas. E por aqui, como em outros locais do mundo, a Aids avança entre as mulheres. As estimativas indicam que há 1,8 brasileiro portador do vírus para cada mulher. Em 1990, a proporção era de seis homens para uma mulher. Por isso, métodos para proteger as mulheres que garantam a elas maior controle e poder de negociação na relação sexual estão sendo ansiosamente aguardados. Uma pesquisa com 148 mulheres soropositivas, realizada pela médica Naila Santos, do Centro de Referência da Aids, de São Paulo, mostrou que 68% tinham adquirido o HIV do parceiro fixo, atual ou anterior. Um dado ainda mais preocupante é que 41% delas continuam transando com os parceiros soropositivos sem proteção, apesar do risco de reinfecção. Na base desses comportamentos, há um misto de falta de informação, preconceito e medo. “Solicitar o uso de preservativos pelo parceiro implica assumir vários riscos. Há questões ligadas à afetividade, como a quebra de confiança entre o casal, o problema do preconceito em torno de mulheres que demonstram conhecimento e iniciativa na esfera sexual e o risco de a mulher economicamente dependente do parceiro perder esse apoio”, analisa
a médica Naila. Porém, mais do que esperar novos métodos de prote-
ção, é necessário mudar de atitude, o que não é nada fácil. “Mesmo
os casais estáveis devem discutir novos acordos, como fazer o teste anti-HIV com alguma periodicidade e usar camisinha em eventuais relações extraconjugais”, diz o sociólogo Renato Barboza, da área de prevenção da Coordenação DST/Aids de São Paulo.

Progressos – A batalha para prevenir a transmissão do HIV está passando por uma maré boa. Há avanços em várias frentes. Na quarta-feira 12, durante a abertura da 10ª Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, em Boston, nos Estados Unidos, pesquisadores da Agência Nacional de Pesquisa sobre Aids da França divulgaram os resultados preliminares dos testes com uma vacina terapêutica em portadores do HIV. Diferentemente da vacina preventiva, que imunizaria contra o vírus, esta busca ampliar a capacidade do sistema imunológico de se defender. Os especialistas franceses afirmaram que as respostas foram muito favoráveis. Outra nova trincheira é a disposição das autoridades de saúde americanas de popularizar o acesso aos exames que identificam a presença do HIV em cerca de 20 minutos. Os americanos acreditam que a redução do tempo de espera pelo resultado diminua a resistência em fazer o teste. “Versões com prazo de meia hora, por exemplo, já são usadas em situações de emergência em hospitais, quando há suspeita de que houve contato com sangue contaminado”, diz Granato. O cerco ao vírus se fecha cada vez mais.

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