Um forte instinto de preservação toma conta dos visitantes da mostra, munidos com bastões e guiados por cegos, quando todos entram na sala escura formada por diferentes ambientes. A experiência lembra a brincadeira infantil cabra-cega. Mas, muito mais do que adivinhar onde está o companheiro, a mostra Diálogo no escuro joga um holofote sobre os outros sentidos e sentimentos. Não basta aguçar o olfato, o paladar, o tato e a audição para compensar a falta da visão. Medo e coragem, tranquilidade e nervo-
sismo são apenas algumas sensações que são realçadas quando não
se enxerga um dedo à frente do nariz. Na escuridão total, todas as
luzes de alerta, internas no corpo humano, se acendem de uma só
vez. Elas provocam uma descarga de adrenalina, tensão, atenção e cuidados extremos consigo próprio.

Pequenos grupos, de nove visitantes no máximo, vão se alternando nas salas durante uma hora. As motivações para participar da mostra são várias: “Eu vim ver a mostra para entender melhor a minha mãe, que não enxerga quase mais nada em casa: desta forma, posso me colocar no lugar dela e, quem sabe, ajudá-la melhor, até com mais paciência”, revelou a ISTOÉ a italiana Margherita Villa. “Um cego, amigo meu, caiu na estação do trem. E ninguém o avisou da queda iminente, em cima dos trilhos. Por alguns minutos quero vivenciar a realidade daqueles que sofrem com a falta da visão”, disse Ilia Brauzzi, pouco antes de entrar na sala. “Acho que esta mostra pode ensinar a nós mesmos a ter um olhar interior muito maior, sem que isso nos obrigue a conhecer o mundo dos cegos como ele realmente é. Esta é uma experiência rumo à nossa própria escuridão”, afirma Claudio Bidollo, segurança do Palazzo Reale, local onde a mostra foi montada, no centro de Milão. “Acompanhar pessoas normais no meu ambiente me proporciona uma rica troca de experiências”, conta Alessandra, uma das 40 guias selecionadas para trabalhar no Diálogo no escuro. Ela demorou poucos minutos para memorizar o trajeto.
Imagine caminhar de olhos vendados por uma calçada em obras.

Tateando com as mãos e utilizando o bastão identificam-se facilmente o canteiro, a moto e o carro mal estacionados. A “música” do trânsito toca a todo volume e é a sonoplastia da confusão nossa de cada dia. A aceleração dos veículos, as buzinas e as britadeiras impedem qualquer diálogo no escuro, à voz baixa. Todos os sons da cidade ganham uma nova dimensão em quem está acostumado a ver os gestos e as máquinas que os provocam. Dobrando a esquina que não existe, chega-se à feira, numa rua fechada. Estão lá as verduras, os legumes e as frutas “expostas” nos tabuleiros ao alcance das mãos e do nariz. Sim, pode-se tocá-las, sentir a textura da casca e até o perfume de cada produto. Sem o olfato apurado, corre-se o risco de levar gato por lebre.

Diálogo no escuro termina com um animado bate-papo num bar. “Acomode-se aqui, por favor”, diz um dos atendentes, todos deficientes visuais, “apontando” uma mesa. “Mas, se preferir o balcão, tem lugar, aqui, à sua direita”, afirma o atencioso garçom. Os pedidos das bebidas vão acontecendo um após o outro com uma naturalidade impressionante. O serviço de mesa é rápido e eficiente. O pagamento é feito em notas ou moedas de verdade e o troco nunca vem errado. Tintim. Um brinde a quem não exerga, mas nos ensina a ver mais além. Neste ensaio da cegueira prova-se que o mundo invisível é real e que para um coração míope basta um bom par de óculos, com lentes mais sensíveis.