O ator inglês despede-se do personagem que lhe deu fama, o Mr. Bean, diz que agora quer fazer filmes de ação e revela sua paixão secreta: o automobilismo brasileiro

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IRONIA BRITÂNICA
Atkinson gosta de ridicularizar a realeza:

"Mas apenas a instituição"
, diz

O ator inglês Rowan Atkinson, de 56 anos, já interpretou muitos personagens. Mas desde que estreou co­mo Mr. Bean, há 23 anos, as pessoas só o associam ao tipo praticamente mudo que só se mete em confusão. Graças à popularidade alcançada com esse papel, Atkinson se tornou um dos comediantes mais conhecidos e ricos do mundo. Sua fortuna é estimada em 70 milhões de libras, conquistada principalmente com a série de tevê “Mr. Bean”, exibida em 250 países. O personagem de humor tipicamente britânico ainda rendeu uma série de animação e dois longas-metragens. “Por transcender a barreira da língua, a série e os filmes são exibidos à exaustão nos voos. É bom ouvir o riso dos passageiros, mas nesses momentos fico constrangido de levantar da poltrona para ir ao banheiro’’, conta, rindo.

O sucesso de Mr. Bean colocou Atkinson numa posição privilegiada. Casado e pai de um casal de adolescentes, o humorista é proprietário de várias mansões na Inglaterra, tem uma coleção de carros esportivos e ainda conseguiu realizar um desejo de infância, o de viver nas telas um agente secreto. “Sempre quis brincar de 007 num set’’, diz o protagonista da franquia de filmes “Johnny English’’, uma sátira às produções de espionagem, principalmente de James Bond. A segunda aventura do agente secreto atrapalhado, intitulada “O Retorno de ­Johnny English’’, está em cartaz nos cinemas brasileiros desde 28 de outubro. Escondido há oito anos num monastério, agora o espião é recrutado de volta para impedir o assassinato de um líder mundial. “O meu agente é muito mais realista que Bond. Com ele, tudo o que pode dar errado, acaba acontecendo.’’ Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida à ISTO É no hotel Claridge’s, em Londres. Sério e muito distante do avoado Mr. Bean, Atkinson vestia um alinhado terno azul-escuro. Como um bom inglês, pediu à assistente um chá Earl Grey (“com leite, sem açúcar”), antes de começar a conversa.

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"Durante um GP na Bélgica, fui aos bastidores e fiz questão
de cumprimentar o Rubinho por admirá-lo tanto. Sou fã dele"

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"Sempre quis bancar o 007 no cinema. Dirigir carros esportivos,
exibir brinquedos tecnológicos avançados e beijar mulheres bonitas"

ISTOÉ

Existe algum lugar no mundo onde o sr. não seja reconhecido pelo personagem Mr. Bean? 

ROWAN ATKINSON

Deve existir, não sei. Mas é verdade que as pessoas me reconhecem nos lugares mais inóspitos do planeta. A história mais comovente, contudo, não foi testemunhada por mim, mas por um amigo meu. 

ISTOÉ

Onde ele estava? 

ROWAN ATKINSON

Ele viajava pela África, rodando um documentário, e viu as pessoas de um vilarejo reunidas à noite. O lugar não tinha água encanada, mas todo mundo estava amontoado diante de uma televisão minúscula, vendo um episódio de Mr. Bean. 

ISTOÉ

Já esteve no Brasil?
 

ROWAN ATKINSON

Não, infelizmente. O mais próximo que estive foi na Guatemala, um país que nem pertence à América do Sul. Fui até lá para rodar um comercial de campanha de cartão de crédito. 

ISTOÉ

Por ser apaixonado por automobilismo, acompanha a trajetória de algum piloto brasileiro?
 

ROWAN ATKINSON

Sempre fui um grande admirador de Ayrton Senna. Fui um dos primeiros a ver o documentário “Senna’’, assim que o filme entrou em cartaz na Inglaterra. Fico feliz em saber que o seu sobrinho, Bruno Senna, está se saindo relativamente bem na Fórmula 1. Alguns anos atrás, tive o prazer de conhecer Rubens Barrichello pessoalmente durante um GP na Bélgica. 

ISTOÉ

Barrichello é seu fã?
 

ROWAN ATKINSON

Não tenho ideia. Naquele momento o fã era eu (risos). Eu me aproximei dele nos bastidores para um aperto de mão. Fiz questão de cumprimentá-lo por admirá-lo tanto. Ele é um dos pilotos mais duradouros da F-1. É impressionante como, entra ano e sai ano, ele está firme e forte na categoria. 

ISTOÉ

Conhece algum outro piloto brasileiro?  

ROWAN ATKINSON

Também acompanho Felipe Massa. Fico feliz por me lembrar de vários nomes e espero estar pronunciando-os corretamente. A verdade é que, quando penso no Brasil, a primeira coisa que me vem à cabeça é justamente essa tradição extraordinária no automobilismo. 

ISTOÉ

O sr. é um bom piloto?
 

ROWAN ATKINSON

Pratico automobilismo como hobby. Mas só com carros antigos. Já corri com dois Aston Martins que tive por muitos anos. Também já corri com um Jaguar de 1952. No momento tudo o que me sobrou para esse tipo de corrida foi um Ford Falcon 1964, 4700 cc, que eu piloto de vez em quando. Infelizmente não tive muito tempo para me dedicar ao automobilismo este ano. E, no ano passado, quando filmava “O Retorno de Johnny En­glish’’ fui impedido por razões de seguro. 

ISTOÉ

Como assim? 

ROWAN ATKINSON

Por contrato, os estúdios de cinema não deixam o ator praticar esportes considerados perigosos. Isso vale para os três meses que antecedem as filmagens e também para o período das filmagens. 

ISTOÉ

O que mais fascina o sr. nesse esporte?
 

ROWAN ATKINSON

Desde criança, sempre gostei de carros. Gosto da sensação de estar no controle. É bom estar no comando do seu destino, dirigindo para onde quiser. Mas suspeito de que a minha fascinação também tenha algo a ver com o elemento perigo. Sinto a necessidade de andar à beira do precipício de vez em quando. De preferência, sem despencar dele, claro (risos).
 

ISTOÉ

Nem os acidentes que já sofreu conseguiram desencorajá-lo? (Em agosto o ator bateu seu McLaren F1, avaliado em US$ 1,2 milhão, ao dirigir numa estrada molhada de Cambridgeshire).
 

ROWAN ATKINSON

Aquilo não foi muito grave. Faz parte da vida do motorista aprender com as suas limitações e também com as do carro. No meu caso, por eu já ter me envolvido em alguns acidentes, tanto dentro das corridas quanto fora delas, isso não me assusta muito. Eu saí praticamente ileso (teve apenas um ferimento no ombro). Já o carro levará muito mais tempo para se recuperar (risos). 

ISTOÉ

Os filmes de “Johnny English’’ é uma boa desculpa para explorar seu lado mais aventureiro?
 

ROWAN ATKINSON

Claro. É divertido rodar cenas de ação. Sem falar que é a única chance de um sujeito como eu bancar o agente secreto no cinema. Como sempre soube que jamais me chamariam para interpretar o 007, por razões óbvias, tive de pegar um atalho. Só assim mesmo para eu fazer tudo o que sempre sonhei num set: dirigir carros esportivos, exibir brinquedos tecnológicos avançados e beijar mulheres bonitas. E o que é melhor: sem precisar ser bom em nada disso (risos). 

ISTOÉ

Na história, o sr. confunde uma assassina com a rainha, dando uma surra na soberana inglesa. O sr. tem uma licença especial para ridicularizar a realeza? 

ROWAN ATKINSON

Faço piadas sobre a realeza há mais de 30 anos e nunca ouvi qualquer reclamação (risos). Só me preocupo em não brincar com os indiví­duos, mas sim com a instituição. O British Establishment é um terreno fértil para piadas. 

ISTOÉ

Isso inclui também brincar com a Igreja, outra de suas especialidades?
 

ROWAN ATKINSON

Claro. Um comediante está sempre buscando inspiração nessas instituições cheias de convenções, onde seus membros devem se comportar de uma determinada maneira, seja com discrição, seja com refinamento. É uma oportunidade de se criar automaticamente uma atmosfera propícia à comédia quando coloca nesse universo um personagem desligado, como Mr. Bean ou Johnny English, pois eles têm um jeito próprio de pensar e não vão se ajustar às regras por nada. É esse conflito de culturas que move muitas comédias. 

ISTOÉ

Johnny English é um pouco mais sofisticado, mas também é calcado na comédia física. Ele poderia ser um primo de Mr. Bean?
 

ROWAN ATKINSON

Poderia (risos). Eles certamente pertencem ao mesmo mundo. Ainda que Johnny English seja mais verbal, o tom da comédia é o mesmo, já que eu prefiro fazer filmes para toda a família. Nunca consegui resistir à tentação de uma boa piada visual, ainda que os críticos considerem esse humor simples uma arte menor. 

ISTOÉ

 Isso o incomoda?

ROWAN ATKINSON

Não mais. Como as críticas tendem a ser depreciativas, parei de lê-las há muito tempo. Felizmente não faço filmes para agradar os críticos. O fato de o público pagar para ver os meus filmes é o que mais importa. 

ISTOÉ

Ao encontrar os fãs, o sr. sente a pressão de ser engraçado? Essa expectativa o incomoda?
 

ROWAN ATKINSON

Não. As pessoas já se acostumaram com a ideia de que não sou um homem engraçado. Só consigo fazer rir quando interpreto um personagem. Fora do trabalho, consigo ser engraçado se estou relaxado e rodeado de amigos. Os únicos que normalmente se decepcionam ao me encontrarem pessoalmente são as crianças pequenas. Por não distinguirem entre realidade e ficção, não entendem como eu posso ser engraçado na tevê e normal fora dela.
 

ISTOÉ

Como comediante, o sr. estabelece algum limite ou qualquer assunto, até os mais trágicos, pode render uma piada?
 

ROWAN ATKINSON

Tudo é permitido, dependendo, claro, do momento, do contexto e da sua habilidade. A chance de uma piada ofender é sempre inversamente proporcional à qualidade da mesma. Pela minha experiência, a maioria das pessoas está preparada para aceitar uma boa piada, independentemente do assunto. Mesmo o mais ofensivo e repulsivo.
 

ISTOÉ

E no caso de a piada ser muito ruim?
 

ROWAN ATKINSON

A má qualidade é que torna a piada mais ofensiva, pois o assunto fica mais relevante. Fiquei aliviado quando percebi que, três dias após a tragédia de 11 de Setembro, algumas pessoas já faziam piada sobre o ataque terrorista. Mesmo que fosse entre um grupo de amigos, num pub, onde isso é mais aceitável. A verdade é que toda piada é justificada se conseguir encontrar um público.
 

ISTOÉ

É verdade que o sr. aposentou de vez Mr. Bean? Não sentirá falta de interpretá-lo? 

ROWAN ATKINSON

Estou realmente inclinado a não interpretá-lo mais. Por outro lado, não gosto de dizer nunca. Então não sei, quem sabe… Mas é pouco provável que eu retome o papel por uma simples razão: não suportaria ver Mr. Bean envelhecer. E isso fatalmente aconteceria se eu continuasse nesse caminho. Talvez seja mesmo o fim da estrada. Foi uma jornada e tanto.