Nunca gostei muito de polícia. Filho de metalúrgico preso pela ditadura e criado num tempo em que o esquadrão da morte enchia rabecões, carrego desde a infância o preconceito de que policial é um sujeito que pode me fazer mais mal do que bem. Pois quis o destino que o Gran Hotel Los Reyes, estabelecimento em que eu e o parceiro e fotógrafo João Castellano estamos hospedados, seja o local designado para abrigar todo um pelotão de federales. No nosso andar, só nós e as camareiras desfilamos desarmados.

Diariamente, trocamos “buenos dias”, pegamos o elevador e, o momento mais temido, tomamos café da manhã com eles. Distribuídos pelas mesas alaranjadas, eles comem despreocupadamente enquanto os seus fuzis repousam com a coronha no chão e o cano na mesa. Quando me junto a eles, dois pensamentos me ocorrem. O primeiro é aterrorizante: e se um sujeito desce enlouquece e resolve sentar o dedo em todo mundo aqui dentro? O segundo é reconfortante: bom saber que há algo mais mortal do que o bufê servido no hotel.

Depois de ambientado, me divirto acompanhando a movimentação dos homens de farda. Uns discutem o último jogo do Chivas Guadalajara, outros contam piadas, um grupo admira e comenta a moça jeitosinha que passa na rua, um mais tímido e deslocado troca torpedos com uma chica. Enfim, é uma típica e universal alcateia de machos. Preparados para tragédias que não aconteceram, eles são obrigados a passar longas jornadas sem ter o que fazer. E, na hora de combater o tédio, eles às vezes exageram, como na madrugada da última quarta-feira.

Como sempre, eu e o Castellano cumprimos o roteiro sair tarde do centro de imprensa, procurar algum lugar para comer, encontrar tudo fechado e comprar besteira na loja de conveniência. Esgotados, chegamos ao hotel por volta de 1h. Cada um foi para o seu quarto. Concluídos os prólogos banheirais, deitei e comecei a esperar o sono me dominar de vez. Mas um barulho inquietante vinha do apartamento vizinho, ocupado por um federal.

Estou hospedado no 417, e o ruído vinha do 415. Há uma porta de ligação, sempre trancada, entre os dois. Com tanta proximidade, era possível ouvir quase tudo o que se passava. Identifiquei seis vozes, três masculinas e três femininas. Os diálogos eram em voz alta, e os sorrisos eram umedecidos por aquela salivação pré-sacanagem. Sons de aberturas de latas serviam de vírgulas entre a conversa jogada fora.

De tão precária e mal instalada, a porta que separa nossos quartos deixa uma pequena fresta na lateral da fechadura. Depois de cinco segundos resolvendo dilemas católicos (apesar de não ser adepto de religião nenhuma), decidi dar uma espiadinha. Quem resistiria? O certo é que não conseguiria dormir sem ter uma ideia clara do que acontecia com o meu vizinho. O relógio já marcava 1h20.

A fresta era muito, mas muito estreita. Mesmo assim, deu para divisar uma mulher. Morena de cabelos lisos na altura ombros, ela estava sentada em uma cama e portava um cigarro na mão direita – é proibido fumar no hotel, mas o que eu podia fazer? Chamar a polícia? Para decepção geral da nação, ela estava completamente vestida. Vez ou outra, os demais integrantes da festinha passavam diante dela. Todos em trajes civis dos pés à cabeça. O papo, as risadas e o abrir das latas continuava, e nada demais acontecia. Já passava das 3 da manhã. Percebi que as vozes masculinas já estavam pastosas, indício de que os rapazes já enveredavam por aquele ponto em que o efetivo não é mais capaz de ficar de prontidão.

Deu 3h30, as despedidas começaram. Os federales lembraram que eram policiais e pediram para as moças fazerem um 4 antes de partir. Tive uma visão privilegiada desse ritual, que aconteceu diante da minha fresta. A porta da frente se abriu, e as moças começaram a ir embora. Fiquei revoltado. Depois de me obrigarem a passar duas horas numa posição que provavelmente vai motivar uma lordose, os federales levaram as moças no quarto para quê? Interrogá-las? Tive de me controlar para não bater na porta do lado, chamar um deles e dizer: “Ei, cabrón, não vai usar a sua arma, não?”.