As mexicanas me decepcionaram. (Esse início de texto é propositalmente exagerado só para prender a sua atenção. Vou recomeçar, mas agora de maneira menos hiperbólica.) As mexicanas não são o que eu esperava. Minha expectativa era chegar aqui e encontrar uma alcateia de blusas de oncinha, maquiagens com mais camadas que parede de cofre e um emaranhado de unhas longas o suficiente para captar transmissões em AM e FM. Vi gente com essas características, claro, mas em quantidade tão ínfima que as moças criadas no meu imaginário pré-viagem estão próximas do traço, nos IBGEs daqui.

Como nas grandes cidades brasileiras, há uma espécie de Tordesilhas no modo de vestir, ditado pela região e pelos ambientes nos quais a moça desfila. No meu pouco tempo por aqui, ainda não me foi possível identificar a classe C e as emergentes. Assim, restrinjo a minha avaliação aos extremos. De um lado, aquelas que ainda têm de lutar para ganhar a tortilla de cada dia. De outro, as que só se preocupam com tortilla caso o molho caia sobre a calça da Diesel.

Nosso hotel fica no centro da cidade. Pela porta envidraçada, diariamente vemos o desfile de moças do primeiro grupo. Apressadas, elas saltam do ônibus, correm e tomam café em copo com tampa enquanto lêem as manchetes na parede lateral das bancas. E, de maneira quase tediosa, o figurino se repete: jeans com blusinha justa. Na calça, só se diferenciam lavagem, qualidade e, no caso das mais ousadas, a quantidade de rasgos. Quanto à blusinha, prudentemente as mexicanas mantêm seus umbigos ocultos, resguardados do sol inclemente.

Juntam-se a essas moças as mães, que passeiam quase sempre arrastando o seu Manuelito (impressionante como todos os meninos têm cabelo arrepiado e andam com um bonequinho nas mãos). Como as moças menos financeiramente favorecidas, as senhoras locais também gostam de roupa justa, mas o tempo e as calorias são cruéis. Elas não estão nem aí. Desfilam como se cantassem internamente o verso clássico do Odair José: “E não me interessa o que os outros vão pensar”. Assim, desavergonhadamente elas parecem se orgulhar de ter e exibir mais curvas perigosas do que as suas conterrâneas em paz com a balança.

As mexicanas do meio pra cima da pirâmide social também abusam da equação jeans + blusinha. A diferença está no “como” elas usam o tal figurino. O complexo de shoppings Galerías reúne essas moças, em busca de grifes como MaxMara, Prada e Salvatore Ferragamo. As vitrines dessas lojas e alguns cartazes de outras lojas ajudam a solidificar a ditadura da silhueta anoréxica. E isso acaba influenciando o modo de vestir das meninas que circulam por ali.

Há, claro, moças ao vivo com aquelas formas magérrimas, mas elas não entram na conta, pois são poucas, irreais e desprovidas de qualquer coisa que desperte aquele homem das cavernas que todos temos dentro de nós. Fora elas, o que se vê muito ali são garotas e senhoras com as roupas um tanto mais folgadas, como se procurassem ocultar o espaço inflado pelos burritos. Fica a cargo do observador a tarefa de desenhar as linhas que se escondem sob aquele dedindo de folga.

Enquanto as moças do centro são prosa e as do shopping se vestem com poesia, as profissionais entram com um marqueteiro e eficiente discurso direto. Saem as calças jeans e entram as leggings e as minissaias. Tudo em nome da produção da embalagem perfeita para fisgar olhares e ativar glândulas salivares. Diferentemente de suas colegas brasileiras, elas usam cores escuras da cintura para baixo, o que torna mais complicado o diagnóstico das curvas a olho nu. Mas o restante do figurino segue o padrão mundial na área, principalmente no que diz respeito às blusinhas, asfixiantemente apertada na região imediatamente abaixo do busto. É o vestuário desafiando a gravidade.

Amadoras ou profissionais, ricas ou pobres, todas as mexicanas têm um patrimônio comum: o olhar cheio de significado. A impressão é a de que elas não precisam falar. Saber espanhol é quase dispensável na hora de se comunicar com elas. Basta olhar para aquele par de circunferências castanhas para entender tudo o que têm a dizer. Quando se chega a esse estágio de sintonia, o forasteiro compreende o combustível que incendiou o espírito guerreiro de Zapata e Santa Anna.