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MINORIA Mulheres são 35% dos eleitores e tiveram duas candidatas a presidente

Três décadas após a invasão soviética e oito anos depois da queda do regime radical islâmico do Talibã, o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, acaba de aprovar uma lei que pode condenar mulheres xiitas à morte por inanição. Pela nova legislação, caso elas se recusem a ter relações sexuais com os maridos, eles têm o direito de suspender a alimentação delas. Os xiitas correspondem a 19% dos 33,6 milhões de habitantes do país, cuja Constituição garante o princípio de igualdade entre os sexos.

Na quinta-feira 20, quando sujaram os dedos para votar nas eleições presidenciais, enfrentando os riscos de um ataque talibã, as mulheres xiitas já estavam submetidas ao novo código de conduta. A versão original da lei, que permitia ao marido o sexo sem o consentimento da mulher, foi vetada no início do ano por pressão de organizações e líderes internacionais. Mesmo revista e aprovada por Karzai, legalizou costumes alheios aos padrões ocidentais. De acordo com a lei, as mulheres xiitas só podem trabalhar se tiverem autorização do marido. Em caso de divórcio, a custódia dos filhos fica com o homem. Para Rachel Reid, representante da ONG Human Rights Watch em Cabul, o presidente afegão sancionou a nova lei com objetivos eleitorais.

"Ele fez acordos com chefes de guerra e facções conservadoras por todo o país, na tentativa de assegurar a sua reeleição", diz Rachel. "Defendeu esta lei para satisfazer fundamentalistas em troca de votos."

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Embora o Afeganistão seja um país muçulmano, segundo o sheik Ali Abdune, presidente da Wamy (Assembleia da Juventude Islâmica) para a América Latina, a nova lei afegã não tem fundamento na religião. Ele explica que o "Alcorão", o livro sagrado do islamismo, assegura às mulheres muçulmanas direitos como a alimentação, o trabalho, a vestimenta e o conhecimento. "Essa lei é mais uma propaganda para a eleição, não deverá ser levada a sério pelos muçulmanos, pois dificilmente alguém irá a um tribunal reclamar de falta de sexo; no máximo por herança ou divórcio", afirma.

Especialista em relações internacionais do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, o cientista político Samuel Feldberg diz que a legislação é um atraso para a incipiente democracia do Afeganistão. "Essa lei é uma reversão em relação aos avanços obtidos depois do período Talibã", completou, referindo-se ao regime que durou de 1996 a 2001. Com a queda do Talibã e a implantação do sistema presidencialista, patrocinado pelos Estados Unidos, as mulheres afegãs, de fato, conquistaram direitos até na Justiça Eleitoral. Nas eleições para o Parlamento, elas ganha ram até uma cota de 25% das vagas.

Elas também participaram ativamente das eleições da semana passada. Eram duas dos 41 concorrentes ao posto de presidente e 35% do total de eleitores do país, estimado em 17 milhões (mas a abstenção teria sido de 50%). A disputa presidencial, a segunda na história do Afeganistão, está polarizada entre o presidente Karzai, que tenta a reeleição, e seu ex-ministro de Relações Exteriores Abdullah Abdullah. Karzai, que se tornou presidente com apoio dos Estados Unidos em 2001, após a queda do regime talibã, continuou no cargo devido às eleições de 2004, e é o favorito para ganhar a disputa. Mas Abdullah ainda tem chance de conseguir concorrer a um segundo turno.i137397.jpg

Não há perspectiva de vitória para as presidenciáveis, mas elas marcaram posição. Defensora dos direitos humanos, a parlamentar Shahla Atta, 47 anos, bateu na tecla de que "as mulheres representam a metade da sociedade". A médica Frozan Fana, 40 anos, por sua vez, enfrentou críticas de conservadores islâmicos por exibir suas fotografias na campanha. Fora do universo feminino, a campanha também foi marcada pela violência, apesar do forte esquema de segurança, que colocou 300 mil soldados nas ruas. Mesmo assim, na tentativa de boicotar as eleições, o Talibã promoveu atentados por todo o país, provocando a morte de ao menos 26 pessoas – civis e integrantes das forças de segurança.

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