O propinoduto montado pelos fiscais do Rio de Janeiro pode ser ainda maior se ficar comprovado que sua extensão é grande o suficiente para atravessar a Baía de Guanabara e chegar a Niterói. Do outro lado da baía, o promotor Marcelo Buhatem, do Ministério Público Estadual, investiga sinais de enriquecimento ilícito do ex-secretário municipal de Obras José Roberto Vinagre Mocarzel. Amigo de infância do ex-prefeito Jorge Roberto Silveira, Mocarzel seria, para Buhatem, peça-chave do braço niteroiense da quadrilha de fiscais estaduais e auditores da Receita Federal, que desviou para a Suíça US$ 34,4 milhões, conforme denunciou ISTOÉ. Na quarta-feira 20, Buhatem se encontrará com seus colegas do Ministério Público Estadual do Rio para propor a ampliação do inquérito de improbidade administrativa para que
Mocarzel seja também investigado.

“Ele ficou rico de uma hora para outra, ostentando situação patrimonial injustificável”, analisa o promotor, que investiga o ex-secretário há um ano. Procurado, Mocarzel não retornou as ligações. Segundo sua secretária, ele estaria em Nova York. Engenheiro de formação, o investigado exibe um patrimônio de, no mínimo, R$ 2 milhões, para ficar apenas nos bens já identificados na investigação. Como secretário em Niterói, seu salário girava em torno de R$ 4,5 mil. A iniciativa conta
com o apoio geral e irrestrito do presidente da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) da Assembléia Legislativa, deputado Paulo Mello (PMDB). “Corrupção não é uma questão de governo, é um problema
de Estado”, diz o deputado.

Segundo consta no inquérito que corre no MP, nas declarações de Imposto de Renda referentes ao período de 1989 a 1991, a variação dos bens de Mocarzel superava em mais de 50% seus rendimentos. Buhatem já requereu à Receita as declarações atualizadas dos últimos oito anos. Mocarzel, sua mulher, Márcia Torres, e os três filhos moram num condomínio de luxo, no Vale de Itaipu, região oceânica de Niterói.

A mansão tem uma piscina em forma de J – inicial de José Mocarzel. “Da sala, separada da piscina por uma parede de vidro, é possível ver os convidados nadando como se estivessem num aquário ou no fundo do mar”, detalha um ex-amigo que frequentou a casa. São 600 metros quadrados de área construída, seis quartos, salas e uma adega climatizada com vinhos de excelentes safras e charutos. Além de uma casa em Angra dos Reis, num terreno de 27,7 mil metros quadrados. O paraíso de Mocarzel fica na ilha da Jipóia, na baía de Angra, com uma praia exclusiva. Ele já pediu a licença da Prefeitura de Angra para construir 25 bangalôs para uma futura pousada de luxo na ilha. É vizinho do cirurgião plástico Ivo Pitanguy.

Os sinais exteriores de riqueza investigados pelo MP ficam ainda mais intrigantes quando se constata que parte dos bens estão em nome de parentes, assim como algumas de suas empresas. Consta da Junta Comercial, por exemplo, que sua mulher, Márcia Torres, é sócia da Sophim‘s Empreiteira. O MP investiga irregularidades na contratação dessa empresa quando Mocarzel era presidente da Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), em 1989, na primeira gestão de Jorge Roberto Silveira. Ele é acusado de fraudar uma licitação para a construção de 500 rampas para deficientes físicos nas faixas de pedestres em benefício da Sophim’s, vitoriosa na disputa. A empresa de sua mulher participou da licitação mesmo não tendo número de registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), o que só foi feito três anos depois da licitação.

Prisões – Ao sair da Emusa, Mocarzel foi outra vez convidado pelo amigo e novamente prefeito Jorge Roberto para a Secretaria municipal de Obras e Serviços Públicos. Passou a administrar um caixa polpudo, quase 70% dos investimentos previstos no orçamento. Nesse período, Mocarzel acumulou poder e riqueza na mesma proporção que acumulou inimigos. Durante sua gestão, corria nos corredores da prefeitura o seguinte provérbio: “Do palito de fósforo quei-mado ao limite dos Céus, fale com Mocarzel.” O MP investiga também uma denúncia feita pela Associação dos Funcionários Públicos de Niterói, segundo a qual a Secretária de Obras teria contratado sem licitação as empresas Mirak Engenharia e a Sophim’s Empreiteira para realizar obras.

O MP do Rio pediu a prisão preventiva de quatro dos fiscais – Rodrigo Silveirinha, Lúcio Picanço, Carlos Eduardo Pereira Ramos e Rômulo Gonçalves. A decisão da promotora Ana Cláudia Cardoso foi encami-nhada na quinta-feira 13 à 38ª Vara Criminal, e caberia ao juiz confirmar ou não o pedido da promotora. Os quatros fiscais da Secretaria da Fazenda depuseram, na última semana, na Assembléia do Rio. Todos negaram as contas na Suíça e o fiscal Rodrigo Silveirinha chegou a discutir com os parlamentares: “Não há provas contra mim. Não
moro numa mansão, não vou a Paris todo fim de semana e meus
três filhos dormem no mesmo quarto.”