Para as pessoas que o conheceram em boa parte das 30 produções da Rede Globo, entre minisséries e novelas das quais participou, José Lewgoy era senhor bem-nascido, bondoso e um pouco distraído. Bem diferente do vilão de bigode, que encarnou em mais de 100 filmes brasileiros, ou do Lewgoy que atuou no fundamental Terra em transe, de Glauber Rocha, em cujos bastidores tinha bate-bocas diários com o diretor. Elogiado por cineastas consagrados, entre eles Werner Herzog, Paul Mazursky e Hector Babenco, e admirado pelas novas gerações das telas, como a representada por Guilherme de Almeida Prado, Lewgoy tornou-se uma espécie de monumento do cinema nacional. O ator gaúcho, natural de Veranópolis, antiga Alfredo Chaves, morreu na segunda-feira 10, aos 82 anos, vítima de insuficiência respiratória. Independentemente do mau humor crônico, porém divertido, era considerado pelos amigos um cavalheiro culto e solitário. Sempre bem-vindo nas melhores mesas, com argúcia discutia a cultura brasileira.

O espírito livre devia-se em parte às oscilações econômicas pelas quais passou na infância e juventude. O pai russo, dono de uma fábrica de casimira, faliu várias vezes. A mãe americana cuidou para que aprendesse inglês e francês, línguas que falava fluentemente. Lewgoy já era formado pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas quando começou a trabalhar para viver. Dos Correios, onde, por motivo de segurança, censurava as cartas enviadas pelos soldados estrangeiros radicados nos Brasil durante a Segunda Guerra, logo passou a tradutor da Editora Globo – homônima e ancestral da atual. À época, conviveu com escritores como Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade e, principalmente, Érico Verissimo, que lhe arranjou uma bolsa de estudos na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde lapidou sua paixão pelo teatro.

Em 1954, com apenas US$ 500 no bolso, Lewgoy desembarcou na França para cobrir o Festival Internacional do Filme de Cannes. Seu primeiro trabalho na televisão brasileira aconteceu em Cavalo de pedra, em 1973.
No final da década participou de Feijão maravilha, fazendo Ambrósio/Ambrásio, um vilão criado em sua homenagem por Bráulio Pedroso. Muitas vezes premiado, José Lewgoy estreou nas telas em 1949 com Perdida pela paixão, de Fernando de Barros. Deixa inédito Apolônio Brasil, de Hugo Carvana. Nunca enriqueceu. Morreu de-vendo, principalmente as memórias que
várias vezes começou a escrever e aca-
bava deixando de lado.