Desde que o americano Steven Spielberg ganhou fama e fortuna como diretor de filmes infanto-juvenis – alguns realmente imprescindíveis para a indústria do cinema, como Os caçadores da arca perdida e E.T. – o extraterrestre –, ele passou boa parte da carreira tentando dizer ao público e principalmente à crítica que também era capaz de produzir trabalhos além da imaginação adolescente. Com uns foi feliz, vide A cor púrpura e A lista de Schindler, e com outros pesou a mão, a exemplo de Além da eternidade e Amistad. Em 2001, Spielberg voltou a andar no fio da navalha com o pretensioso A.I. – inteligência artificial, mas compensou o erro em 2002 ao lançar Minority report – a nova lei, uma ficção científica de trama esperta, cheia de ações mirabolantes. Provando, então, que pode muito bem transitar entre pólos diversos, o cineasta caprichou na construção de uma história adulta, com tons de amenidade e comédia, é certo, mas que na verdade é uma deliciosa sátira social. Embora pareça ficção talhada para os padrões hollywoodianos, Prenda-me se for capaz (Catch me if you can, Estados Unidos, 2002) – estréia nacional na sexta-feira 21 – é baseado na história real de Frank W. Abagnale, um dos maiores falsários da história americana que, antes de completar 19
anos, enganou meio país e o FBI.

No papel do jovem ambicioso e cheio de gás para aproveitar com fairplay o dinheiro vindo da falsificação de cheques, está o astro do momento, Leonardo DiCaprio, também em cartaz como um dos protagonistas do impressionante Gangues de Nova York. Coincidência ou não, neste momento mais maduro de Steven Spielberg, o ator de 28 anos igual-mente demonstra ter crescido na sua arte. Soube usar sua baby face, levando o espectador a compactuar – como o enredo exige – com seu personagem simpático, instintivo e inteligente, porém ladrão. Ao que consta, o verdadeiro Abagnale era um sujeito charmoso e dono de boa lábia, características herdadas do pai, no filme defendido com precisão por Christophen Walken, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Frustrado com o divórcio inexorável dos pais, Abagnale filho se manda
de casa bem jovem e começa a aplicar golpes que lhe renderam
US$ 4 milhões fazendo-se passar por piloto de avião, médico,
advogado, professor universitário.

No rastro de seus desfalques cada vez mais grandiosos, ele não só colecionou mulheres e festas regadas a champanhe francês como expandiu um tino perfeito para apagar a origem caipira e cunhar um novo perfil chique e de bon vivant observando homens exemplares, entre eles o James Bond de Sean Connery, de quem copiou os ternos de padronagem e cortes impecáveis. O filme se passa nos anos 60, mas nenhuma das turbulências da época envolvendo sexo, drogas ou agitação política explode na tela. É a frivolidade que serve de pano de fundo. Em meio à ingenuidade da sociedade americana de então, que ainda acreditava no status de um uniforme, Abagnale trafega pelo terreno perfeito para aplicar seus truques. Nesta mesma teia, entra o disciplinado agente do FBI Carl Hanratty, interpretado por Tom Hanks, que, no encalço do jovem falsário, acaba desenvolvendo com ele uma relação paternal – e vive-versa –, atingindo um fim inusitado para quem não conhece a história real. Steven Spielberg cresceu e o público, admirado, agradece.


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