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BENTO XVI SOLTA A VOZ No CD "Alma Mater" haverá ladainhas, cantos marianos e passagens bíblicas
 

O sisudo papa Bento XVI vai gravar um disco com estrutura digna de pop star. Soltará a voz acompanhado do coral da Filarmônica de Roma e da Orquestra Real Britânica e terá seu CD mixado nos lendários estúdios da Abbey Road, em Londres, palco de várias gravações dos Beatles e, mais recentemente, de bandas como Oasis. O álbum "Alma Mater", o primeiro do pontífice, está previsto para chegar às prateleiras no dia 30 de novembro pelo selo Geffen, da gravadora Universal. Não espere, porém, encontrar nas faixas a linguagem simplificada das letras do padre Marcelo Rossi. Muito menos a ausência de identidade clerical do padre Fábio de Melo, que prefere um terno bem cortado à batina em seus shows. Nada de coreografias, novas composições, alegria esfuziante ou até mesmo um inocente bater de palmas.

O papa não é e nem quer ser pop. Com a indústria fonográfica como aliada, Bento XVI pretende reforçar ainda mais suas posições conservadoras, como a que proíbe teólogos defensores de um diálogo maior entre as religiões, a ordenação de mulheres ou a flexibilização do celibato dos sacerdotes. Seguirá, assim, sob a roupagem do rottweiler de Deus, como ficou conhecido por conta do pulso firme com o qual comanda a Igreja Católica, e distante do carisma de seu antecessor, João Paulo II, que, apesar de tão conservador quanto, ostentava o título de papa campeão de mídia.

O alemão Joseph Ratzinger, 82 anos, um dos maiores intelectuais da Igreja Católica na atualidade, tem formação musical erudita. Costuma tocar no piano obras de Mozart e é irmão de um ex-regente de coro da Baviera, na Alemanha. Seu álbum "Alma Mater" será composto pela ladainha lauretana (oração de invocação à Nossa Senhora), cantos marianos, passagens bíbli- cas e melodias clássicas. Mas a questão musical é a que menos está em jogo na estratégia de lançamento deste disco. Bento XVI é, muito mais do que um comunicador, um pensador que enxerga a teologia como uma ciência que precisa dar uma resposta ao mundo secularizado, desviado da fé.

Sua perspicácia foi não fechar os olhos para as ferramentas tecnológicas e apresentar, por meio delas, a doutrina católica. "O CD é um veículo que permite ao papa ser ouvido ainda mais naquilo que ele quer dizer", afirma Eulálio Figueira, doutor em ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Ele está sendo audaz ao dialogar com o mundo moderno, mas a sua postura e as suas posições permanecem retrógradas."

É fato o esforço recente de Bento XVI em expandir seus tentáculos de comunicação – de olho, principalmente, no público jovem. Em janeiro, o Vaticano lançou seu canal no YouTube, a página de vídeos na internet mais popular do mundo. Em maio, seu perfil oficial passou a figurar na rede social Facebook. Mais: discursos e mensagens do santo padre também já podem ser vistos pelo iPhone e iPod. "O grupo jovem foi o que mais se distanciou da Igreja Católica desde os anos 50", explica o especialista em comunicação religiosa Eduardo Refkalefsky, professor da escola de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Ao mesmo tempo que é mais difícil de ser conquistado, o jovem pode estabelecer uma relação mais duradoura com a religião, por isso é tão almejado."

Antes de tentar fisgar esses fiéis por meio da música, porém, o pontífice preparou o terreno para deixar claro que irá cantar para pastorear novas ovelhas. Mas de olho na tradição, não no entretenimento. Revela essa posição ao trazer de volta a celebração de missas em latim e ao restringir o espaço dos sacerdotes midiáticos, como os brasileiros Marcelo Rossi e Antonio Maria, por exemplo. O primeiro, embora seja o católico mais popular do País, foi uma figura solenemente ignorada por Bento XVI durante a visita do papa ao Brasil, em 2007.

O pontífice fez questão de não ter o padre das coreografias por perto nem nas missas campais. Já Antonio Maria, célebre por realizar casamentos de artistas, teve sua transferência para uma cidade do interior do México decretada pelo Vaticano há um ano. "O papa não quer correr o risco de desvirtuar a doutrina", afirma Refkalefsky, da UFRJ."Não quer que a pessoa vá à missa porque o padre é bonitão ou canta bem."

É como se o líder do Vaticano tentasse pôr em ordem o canto religioso, uma prática judaica que foi incorporada pelos católicos desde os primórdios do cristianismo. Para eles, a música é capaz de fazer brotar a esperança e a vida. Sua importância fica clara nas palavras de Santo Agostinho: "Se queres saber o que cremos, vem ouvir o que cantamos. Cantar é rezar duas vezes." E agora também na voz de Bento XVI, o segundo papa da história (o primeiro foi João Paulo II, em 1999) a gravar um álbum.

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