Valter, Luiz Carlos e Clair Gatto, os três gaúchos da foto ao lado, estão em Barreiras, no oeste da Bahia, desde 1981. Nos dois primeiros anos, chuvas e ventanias foram enfrentadas embaixo de uma lona. Hoje, a Fazenda Irmãos Gatto se espalha por 12,5 mil hectares (cada hectare mede dez mil metros quadrados) do chamado anel da soja, uma das regiões mais produtivas do País. Cinco mil hectares estão cobertos de soja e milho e 500, de pés de algodão. Dois anos antes do início dessa saga, Orlando Tomo, filho de japoneses nascido no interior paulista, arrematou 1,1 mil hectares em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, com o que sobrou da compra de outro pedaço de terra no Alto Araguaia. “Comprei 230 oquerón (“alqueirões” nordestinos, cada um com 4,84 hectares) com o torôco (troco). Dois mil cada oquerón.”, explica o produtor, com seu sotaque carregado. Tomo só fez o negócio porque o preço era baixo demais. Não acreditava no potencial da propriedade nem no da cidade. Por isso, deixou a terra abandonada nos anos 80 e arrendou-a na década seguinte. Agora, prepara-se para colher sua primeira safra – 60,5 mil sacas de 60 quilos de soja. Deverá ter faturamento bruto de pelo menos US$ 605 mil, cerca de R$ 2,15 milhões, se vender o produto para o mercado internacional ao preço mínimo de US$ 10 a saca, como espera. A média histórica de preço da saca de soja no mercado internacional é US$ 9. O lucro do produtor varia de 20% a 50% da produção, dependendo do nível de endividamento e da necessidade de repor insumos para a próxima plantação.

É raro descobrir viagens do purgatório ao paraíso rápidas como essas em qualquer ramo de atividade. Os casos dos irmãos Gatto e de Tomo não são, no entanto, frutos exclusivos do talento de empreendedores competentes e solitários. ISTOÉ visitou fronteiras agrícolas em várias regiões do País e encontrou resultados de uma espécie de furacão de bonança que atingiu a agropecuária brasileira na década passada e, sobretudo, nos últimos cinco anos. O alto investimento em tecnologia e as pesquisas de centros eficientes, como a Embrapa, provocaram uma revolução nos índices do campo.

As estatísticas convincentes brotam de todo lado. Agricultores e pecuaristas formam o setor da economia brasileira que mais cresce. De acordo com o Banco Central, o Produto Interno Bruto (PIB) nacional deverá crescer 1,6% em 2002. Entre outubro de 2001 e setembro do ano passado, o setor de serviços cresceu 1,43% e o industrial caiu 1,47%. Enquanto isso, nos dez primeiros meses de 2002, o PIB agropecuário engordou 8,51%, um índice típico dos melhores desempenhos da China, a atual menina-dos-olhos do capital internacional, e de alguns tigres asiáticos. Como se não bastasse o
fato de a agropecuária estar crescendo
em um ritmo cinco vezes maior do que o do PIB nacional, estima-se que a nova safra anual de grãos ficará em pelo menos 106,1 milhões de toneladas. Será um recorde absoluto – há 12 anos, o País tirava a
metade disso de seus campos.

Trabalho duro – O resultado seria ainda mais espetacular se a pecuária não tivesse sofrido um baque no ano passado por causa da alta de até 150% no preço do milho. O produto representa 50% do custo de produção de frangos e suínos. Ainda assim, o PIB da pecuária, sozinho, cresceu 2,59% de janeiro a outubro do ano passado, índice maior que o do País e o dos outros setores. O gaúcho Silvio Wegener, produtor inte-grado à Perdigão em Goiás, está tranquilo. Ele pegou cerca de R$ 1 milhão empresta-
do e incorporou sete módulos de criação
de suínos à sua fazenda de soja e milho.
Com 2,4 mil matrizes, pretende entregar
4,5 mil leitões a cada mês para outros associados engordarem. “Planejo faturar
R$ 50 mil mensais, pagar o financiamento
e ficar com R$ 10 mil”, diz.

O agronegócio envolve fertilizantes, máquinas, sistemas de processa-mento e serviços, do campo à gôndola dos supermercados. Apenas nos últimos três anos, a venda de tratores e colheitadeiras no Brasil cresceu de 31 mil para 43 mil unidades. “Isso tudo responde por 27% do PIB”, calcula o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. “Gera 37% dos empregos e equivale a 41% do total de nossas exportações. É o maior negócio do País”, completa. “A produção da última década acabou com o mito de que a agropecuária é um setor arcaico”, comemora o antecessor de Rodrigues, Marcus Vinícius Pratini de Moraes. “Se o Brasil crescesse no mesmo ritmo da agricultura, estaria todo mundo rindo e com dinheiro no bolso”, compara Getúlio Pernambuco, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Essa safra de números animadores permite entender por que os irmãos gaúchos, o nissei Tomo e muitos outros concluíram que suas terras permitiam sonhos ousados. Para os irmãos Gatto, a temporada de sa-crifício e trabalho duro começou com pouca bagagem e a certeza de
que os 86 hectares da família no Sul não garantiriam o sustento dos dez irmãos quando todos se casassem. Com o dinheiro da venda de um quarto da propriedade, compraram dois mil hectares na Bahia. Pagaram por hectare o equivalente ao preço de um maço de cigarros. A mina de água mais próxima ficava a 35 quilômetros. Para chegar à cidade, era preciso vencer 170 quilômetros de estrada precária. “Carne, só alguma caça,
como veado ou porco-do-mato”, lembra Luiz Carlos, que aos 16 anos
era o cozinheiro do acampamento. Hoje, além das imensas plantações,
eles possuem uma usina de beneficiamento de algodão e a Oilema – uma fábrica de sementes de altíssima qualidade.

Sem ganância – O oeste da Bahia é uma nova fronteira agrícola com mais de um milhão de hectares cultivados. Por suas chapadas, estendem-se plantações a perder de vista. As estrelas são a soja e o milho, mas, nas últimas safras, o algodão, cultura consolidada em Mato Grosso, também passou a marcar presença. “No algodão, o Brasil tem dois concorrentes. A Austrália e o Tesouro dos Estados Unidos, por causa do imenso subsídio fornecido ao produtor americano”, ironiza o paranaense João Carlos Jacobsen, um dos primeiros a investir na produção local.

A fruticultura é outra atividade tratada com carinho na região. Há sete anos, os alagoanos Luiz Antonio Cansanção e Cláudio Vasconcelos investiram R$ 20 milhões na criação da Fazenda Grande Oeste. O empreendimento está mudando a paisagem no município de São Desidério, a começar por uma estrada de 39 quilômetros construída com recursos próprios. Neste período, os dois se tornaram os maiores produtores nacionais de mamão-formosa e os donos da mais extensa plantação de limão-taiti do País. Como as frutas ocupam apenas 700 dos 15 mil hectares da fazenda, a dupla sonha alto. “Estamos construindo uma cidade”, anuncia Cansanção. Com a ajuda de um arquiteto, eles idealizaram um conjunto residencial com ciclovias, área verde e módulos de saúde, lazer e educação. Tudo isso cercado por 153 lotes de 25 hectares destinados à citrocultura. “A idéia é atrair pequenos e médios produtores paulistas”, explica Vasconcelos. “Não queremos perder dinheiro, mas ganhar sem ganância”, completa Cansanção. Outro
ponto importante da nova onda agropecuária é o entorno de Balsas,
no sul do Maranhão. “Em Balsas, tudo está por fazer”, comenta o minis-tro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que é produtor na região. Essa novíssima fronteira se estende até o sul do Piauí, uma das áreas mais pobres do País. Lá, dos três milhões de hectares de cerrado adequados ao cultivo, só 160 mil estão abertos, a maioria com plantações de
soja. No total, o Brasil tem mais de 90 milhões de hectares virgens, a serem explorados pela agropecuária.

Inadimplência zero – Na goiana Rio Verde, outro emblema desse Brasil que dá certo, o fenômeno é um pouco – só um pouco – mais antigo. Bastaram duas décadas para a vila se transformar em núcleo de uma região com 18 municípios. Com 120 mil habitantes, a cidade responde por 22% da produção nacional de grãos. A principal agência local do Banco do Brasil é a recordista de concessão de créditos agrícolas no País. Nesta carteira, a taxa de inadimplência é zero. O “agrodinheiro” mostra força nos restaurantes, nas butiques e, sobretudo, no mercado imobiliário. Três em cada quatro apartamentos lançados na cidade em 2002 foram comprados na planta. “Nos últimos cinco anos, Rio Verde reuniu todas as características para ser considerada um cluster do agronegócio”, afirma o consultor André Pessôa, diretor da empresa Agroconsult. Cluster, um conceito criado pelo americano Michael Porter, significa a criação de vantagens competitivas raras a partir de fatores como concentração de empresas, tecnologia e recursos financeiros.

A velocidade das mudanças é assustadora. O agrônomo paulista José
Luiz Ferrari comprou 1,2 mil hectares em Rio Verde em 1984. “Depois de fechar o negócio, o antigo dono ironizou, dizendo que finalmente havia empurrado seu criadouro de ema e tamanduá”, lembra ele, hoje um
dos campeões de produtividade do setor. Seu filho Fabiano, também agrônomo, incorporou os computadores e as informações recebidas
por satélite à rotina da fazenda. Outro produtor de Rio Verde, Lucio Carvalho, é cria do boom agropecuário. Ele tinha apenas 21 anos
quando plantou as primeiras mudas de soja na propriedade de 1,35
mil hectares da família, em 1992. A próxima colheita, calcula, poderá render um faturamento bruto de R$ 2,5 milhões. “Espero que sobre
pelo menos 15% desse total”, torce.

Embora não altere a trajetória daqueles que vivem da agricultura de subsistência, o sol tem iluminado grandes e pequenos, em diversos pontos do País. Levino Marasca, dono de 125 hectares em Ernestina (RS), promete gastar cerca de R$ 30 mil na reforma da sede da fazenda, “um barraco de 400 metros quadrados”, depois de vender sua produção de milho e soja. Bem longe dele, no pólo mineiro de Unaí, o engenheiro agrônomo Sebastião de Andrade, colega de turma do ministro Roberto Rodrigues, festeja a boa produtividade de seus três mil hectares, produto de um interessante rodízio entre áreas destinadas ao pasto e à plantação de feijão, produto forte naquelas paragens.

Poder do camarão – A onda de euforia atinge até aqueles que trabalham com peixes e frutos do mar. Não por acaso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou uma secretaria especial para a atividade. O ex-pescador Expedito Costa soube como ninguém explorar esse filão. Um dos 14 filhos de uma família pobre de Aracati, no litoral cearense, trocou a pesca de lagosta pelo comércio de pescados depois de passar dois dias à deriva no mar, num bote a vela, sem água nem comida. “Quando chegamos na praia, a família estava de luto, num desespero medonho”, conta. Em 1997, ele instalou uma fazenda de camarão em terras improdutivas, que haviam abrigado salinas. “Não apostei no escuro. Tinha pesquisas”, conta ele. Hoje, os camarões de Costa abastecem as melhores mesas da Espanha, França, Estados Unidos e Japão. Seu grupo emprega 1,3 mil pessoas e fatura US$ 22 milhões por ano. A ampliação da fábrica de beneficiamento, em março, permitirá a criação de outros 700 empregos e aumentará a produção de 15 para 75 toneladas ao dia. Aos 54 anos, o ex-pescador viaja a negócios por todo o planeta. Mas é incapaz de ler um bilhete ou uma placa mesmo em sua terra natal. “Só pude estudar um mês, quando aprendi a assinar o nome, mas sempre trabalhei com o pensamento de vencer”, comenta.

Por todo País, o cenário ideal da agropecuária ainda está em construção. Produtores brasileiros aguardam os resultados das rodadas para discutir a redução de subsídios nos Estados Unidos e na Europa, que torram mais de US$ 200 bilhões por ano para proteger seus produtores. Dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, o Brasil deverá passar cinco anos sem registrar doenças como a aftosa em seus pastos para colocar sua carne na mesa de americanos, europeus e japoneses. Quando isso ocorrer, mais um salto será dado. Por enquanto, é estimulante saber que, embora venha revelando resultados excepcionais, a agropecuária brasileira tem muito campo para crescer.

A UNIÃO FAZ A FORÇA

Com aparência similar à das savanas africanas, o cerrado brasileiro estava relegado ao abandono até pouco tempo atrás. Hoje, responde por 40% da produção brasileira de grãos. A transformação se deve ao suor de milhares de agricultores, mas também ao trabalho desenvolvido pela Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Criada no começo dos anos 70 e vinculada ao Ministério da Agricultura, a Embrapa investiga e viabiliza soluções para o setor em 37 centros de pesquisa espalhados pelo País. “Seu papel no desenvolvimento de variedades de sementes para o cerrado está diretamente vinculado à crescente produção agrícola”, lembra o ex-ministro Pratini de Moraes. A alta tecnologia que faz a festa dos grandes e médios produtores também beneficia antigos sem-terra, como José Gomes de Souza, mais conhecido como Zé Coró, da cooperativa da Lagoa dos Mineiros, que reúne 135 associados em um assentamento de Itarema, no noroeste do Ceará. “Por conta dos clones de caju da Embrapa, minha vida melhorou 100%”, diz Zé Coró. “Melhor que isso, só quando produzirmos para exportação.”

BYE, BYE AMÉRICA

Com o mesmo espírito aventureiro de seus ancestrais, que desbravaram o Meio-Oeste dos Estados Unidos, fazendeiros americanos são figuras cada vez mais frequentes no cerrado da Bahia. Atraídos pela alta produtividade das terras e pelo câmbio favorável, eles só pensam em expandir suas plantações. Existe até uma agência – a AgBrazil – especializada em orientar estrangeiros interessados em investir na agropecuária brasileira. Criada em março de 2.001 por Philip Warnken, professor de economia aposentado da Universidade de Columbia, no Missouri, a AgBrazil já ciceroneou 158 potenciais investidores. Donos de uma fazenda com mil hectares de trigo no Kansas, Carolyn e Brien Dunn, ambos com 32 anos, estavam entre os 14 integrantes do último grupo. “Lá tudo custa muito caro”, diz Carolyn. Outro integrante da agrocaravana, Robert Hammel, 26 anos, de Minnesota, se surpreendeu com a ampla revenda de equipamentos da John Deere em Luís Eduardo Magalhães, um município de 35 mil habitantes, recém-emancipado. “Aqui tem de tudo”, diz Hammel. “É como se eu estivesse em casa.”

A maioria desses neodesbravadores planeja dividir-se entre a propriedade americana e a brasileira. Uma das exceções é o fazendeiro Thomas Shanks, 46 anos, os últimos quatro cuidando exclusivamente de seus 3.600 hectares baianos. “O futuro da agricultura está no Brasil”, garante. O sucesso de Shanks é tamanho que chegou às páginas do The New York Times, o mais influente jornal dos Estados Unidos. Na reportagem, o jornal estima que 200 fazendeiros americanos trabalhem hoje no Brasil, entre eles 80 famílias de uma colônia cristã menonita instalada em Rio Verde (GO). Liderados por Daniel Krammer, 77 anos, ex-construtor civil em Ohio, os missionários arremataram 3,2 mil hectares de mato fechado em 1969. Na época, Krammer vendeu tudo o que tinha nos Estados Unidos, juntou US$ 15 mil e, com a mulher e seis filhos, assumiu a sua parte de 480 hectares. “Meu pai é mais maluco e mais corajoso do que eu”, comenta Miron, que chegou ao País com 12 anos. De lá para cá, as terras ocupadas pelos menonitas esticaram para 12 mil hectares. O patrimônio dos Krammer saltou para US$ 1 milhão, incluindo fazendas de alguns irmãos em Mato Grosso. “Nosso lugar é aqui”, conclui Miron.