i137440.jpg

NA MIRA DA LEI Um dia depois de ser preso, Roger Abdelmassih teve seu registro profissional suspenso

Uma das maiores celebridades da medicina brasileira viu sua estrela se apagar na semana passada. O médico Roger Abdelmassih, badalado especialista em reprodução humana, foi preso na segunda-feira 17, em sua clínica no Jardim América, bairro nobre paulistano, acusado de crimes sexuais contra 39 mulheres. No dia seguinte, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) decidiu, por unanimidade, suspender seu registro profissional. A entidade terá seis meses para julgar se o acusado é culpado ou não. Sua pena pode variar de uma advertência confidencial a uma censura publicada em jornal ou a perda definitiva da licença médica. Outras duas frentes de investigação foram abertas pelo Ministério Público: crimes fiscais – ele não teria declarado à Receita Federal pagamentos em dólar e euro, além de cobrar menos de quem não exigisse nota fiscal – e manipulação genética. Expacientes de Abdelmassih contam que escolheram o sexo dos filhos, procedimento conhecido como sexagem, proibido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Além disso, há sérias questões éticas também sob apuração. Segundo relatos feitos a autoridades, o médico chegou a propor a mulheres que queriam engravidar utilizar óvulo ou espermatozóide de doador sem que o marido soubesse.

Em um desses relatos, uma paciente de São Paulo, que estava com dificuldades para engravidar, conta que Abdelmassih ofereceu de quatro a seis embriões em troca de US$ 10 mil. Surpreendida com a proposta, ela questionou a procedência dos embriões. O médico tentou tranquilizá-la, dizendo que arranjaria em briões compatíveis com as características dela e do marido, inclusive o tipo sanguíneo. Arrematou, ainda, dizendo que os embriões "não seriam de nenhuma neguinha de rua". Essa paciente também diz ter sofrido um ataque sexual do médico e prometeu tomar providências na ocasião. Ele a alertou de que sua clínica era a melhor da América Latina, reforçando que ninguém acreditaria no relato dela.

i137441.jpg

i137442.jpg

A maioria das 39 vítimas diz ter sido molestada com carícias e beijos, quando estavam a sós com o médico e sedadas. Três afirmam que o ato sexual foi consumado. Em alguns casos, o assédio aconteceu mais de uma vez. Por isso, na denúncia constam 56 estupros – com base em legislação que passou a vigorar no último dia 7, segundo a qual o antigo "ato libidinoso" passa a ser considerado "estupro". A pena para cada estupro varia de seis a dez anos de prisão. Abdelmassih nega todas as acusações. Na quarta-feira 19, o desembargador José Raul Gavião de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou o pedido de liberdade para o médico, alegando a "periculosidade do réu concretamente". A defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça com o argumento de que a gravidade do delito não justifica a prisão. Quanto ao Cremesp, o advogado José Luís Oliveira Lima disse que a entidade "se curvou ao sensacionalismo ao suspender o registro do meu cliente", se referindo "à cobertura midiática e à falta de privacidade no ato de sua prisão, o que fere a imagem que ele construiu na medicina". Na reunião em que foi decidida a suspensão do registro de Abdelmassih, o vice-presidente do Cremesp, Renato Azevedo Júnior, falou da importância de obter uma decisão unânime – eram 40 conselheiros na sala -, porque a sociedade cobrava uma postura do órgão. Segundo uma das pessoas que tiveram acesso à reunião, foram retirados prontuários de pacientes da clínica de Abdelmassih porque está em estudo a interdição dela.

Quanto à outra linha de investigação, Abdelmassih teria cometido crime tributário ao não declarar pagamentos realizados, especialmente por clientes do Exterior, em moeda estrangeira. "Havia uma sala na clínica onde era feita a contagem do caixa por uma funcionária. Toda sextafeira, ela juntava real, dólar, cheques e levava diretamente para a casa do dr. Roger", diz Cristiane Oliveira, 34 anos, ex-recepcionista da clínica e estopim de toda a investigação. Ela disse ao Ministério Público e ao Cremesp que trabalhou um ano e meio na clínica e pediu demissão, em janeiro de 2008, depois de ter sido beijada à força. Após revelar sua história, Cristiane foi processada pelo ex-patrão, que alegou ter sido extorquido. A Justiça julgou improcedente a acusação do médico. A estilista Vanuzia Lopes, 49 anos, afirma ter pago parte do tratamento em moeda americana. "Segui uma recomendação do dr. Roger, que afirmou preferir receber em moeda nacional ou dólar e sem recibo", conta. Em 1993, Vanuzia pagou o equivalente a um apartamento na praia para fazer três tentativas de engravidar. Todas fracassaram. Para convencer seu marido da empreitada, o médico teria dito: "Você prefere ver o mar à sua frente ou o sorriso de um filho?" Seria também praxe da clínica oferecer os serviços com ou sem nota fiscal – os custos ficariam menores. A dona de casa Helena Leardini, 40 anos, fez duas tentativas de fertilização e conseguiu, na última, engravidar de gêmeas, hoje com 5 anos. Ela optou por não receber nota. "O dr. Roger me disse que o tratamento custaria R$ 30 mil sem nota fiscal e R$ 36 mil se fosse com nota", lembra. "Me falou ainda: ‘Burra será você se não fechar o pacote com três tentativas de fertilização agora’." Ela diz ter sido assediada pelo médico, mas optou por seguir com o tratamento por causa do dinheiro investido. Helena pôde escolher o sexo das filhas.

i137443.jpgEssa possibilidade também teria sido oferecida à advogada carioca Crystiane Cardoso de Souza, 37 anos. Na primeira conversa com o médico, em 2007, ele logo calculou os gastos e insistiu para que ela e o marido fechassem o negócio no ato, dizendo: "Vocês têm de saber que estão no melhor do Brasil. A partir do momento em que me entregarem o caso, o problema não é mais de vocês nem de Deus – é meu. Eu vou te dar um filho." Nessa conversa, segundo a advogada, Abdelmassih perguntou se eles tinham preferência por sexo. De acordo com resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), o diagnóstico genético pré-implantação é permitido apenas para evitar doenças. Por exemplo: há patologias que acometem somente o sexo masculino, como a distrofia muscular de Duchenne, degeneração dos músculos que leva à morte antes dos 20 anos. "Uma mulher cujo irmão morreu dessa doença pode optar por uma filha", diz o geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica. O problema, segundo ele, é não existir no Brasil uma lei de reprodução assistida. "A sexagem é uma infração do código de ética que pode acarretar perda da habilitação profissional. No entanto, não é crime", diz. A assessoria da clínica, que continua funcionando sob o comando do ginecologista Vicente e da embriologista Soraya, filhos de Abdelmassih, afirmou em nota que as técnicas empregadas nos tratamentos são eticamente legais, precedidas de esclarecimento e adesão por termos de concordância por parte dos pacientes, devidamente assinados pelos envolvidos.

 

Preso no 40º DP Vila Santa Maria, em São Paulo, Abdelmassih divide a cela número 3, de 12 metros quadrados, com um advogado que irá a julgamento por crime contra o patrimônio. Apesar de a família, de os advogados e de o delegado Calixto Calil Filho afirmarem que ele estaria deprimido com a situação, outros funcionários disseram que o médico parecia confiante na absolvição e com bom astral. Conversa com os outros 16 presos do recinto, lê, assiste à tevê, se alimenta bem com a comida que o motorista leva diariamente – frutas, cereais, pão integral e café. Tudo em quantidade suficiente para dividir com os outros presos. É educado com quem se aproxima. Teve uma crise de labirintite que foi controlada com remédio. Também toma medicamento para hipertensão, preocupado com o susto que levou há um ano, quando passou por uma cirurgia cardíaca. Na mesma época, perdeu a mulher, Sônia, de um câncer já em processo de metástase.

i137444.jpgNa prisão, dorme na parte de baixo de um beliche de concreto com colchonete. Um choque para quem estava acostumado a viver no luxo. Pessoas que defenderam o médico quando surgiram as primeiras denúncias de assédio sexual mudaram o discurso. O ator Raul Gazola é pai de Rani, que nasceu após tratamento na clínica. Antes, Raul falava que só tinha coisas boas a dizer a respeito dele. Agora, afirma estar chocado: "Pode ser que duas ou três mulheres tenham se confundido. Mas esse número de denúncias é muito estranho". A atriz Luiza Tomé, que engravidou de gêmeos pelas mãos de Abdelmassih, segue a mesma linha: "Me dá dó porque com certeza ele tem algum distúrbio."