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SOBREPREÇO
Embora a Intech cobre no mercado R$ 850 mil por cada
lancha, o Ministério da Pesca pagou R$ 1,3 milhão a unidade.

Na divisão de cargos e verbas entre a base aliada, o Ministério da Pesca e Aquicultura sempre foi da cota do PT catarinense. À exceção do atual ministro Luiz Sérgio, de Angra dos Reis (RJ), os três ministros anteriores saíram de Santa Catarina. O resultado é que o Estado acabou favorecido com recursos. Mas agora se sabe que, em alguns casos, o favorecimento ocorreu ao arrepio das boas práticas da administração pública, beirando a ilegalidade. A suspeita recai especificamente sobre a compra de 28 lanchas de patrulhamento marítimo que custaram aos cofres públicos mais de R$ 30 milhões, no maior negócio realizado pela pasta. O Tribunal de Contas da União está concluindo um relatório que apura indícios de direcionamento de licitação, superfaturamento e desvio de recursos públicos. O processo, ainda sigiloso, está em fase de instrução na 8ª Secretaria de Controle Externo do TCU. Embora tenha aparentemente percorrido todos os caminhos traçados pela Lei 8.666 – das licitações – chamou a atenção dos auditores o fato de o contrato milionário ter sido entregue ao estaleiro Intech Boating, até então desconhecido do mercado e que foi criado em Santa Catarina apenas um ano antes da abertura do certame – um processo, aliás, praticamente sem concorrência e repleto de falhas, segundo o TCU.

É curioso também que a Intech tenha cobrado inicialmente por cada lancha R$ 1,3 milhão, enquanto pratica no mercado o preço máximo de R$ 850 mil pelo mesmo barco. O processo também contraria a lógica dos negócios com a administração pública. Normalmente, o empresário aumenta o valor porque o governo demora a pagar. Mas não foi o caso. O Ministério da Pesca iniciou a liberação dos pagamentos em março de 2009, menos de três meses após a assinatura do contrato. A primeira lancha foi entregue em julho. Após três anos, o contrato já foi quitado, mas apenas metade da encomenda foi entregue. Numa espécie de retribuição à generosidade oficial, que fez da Intech um raro ‘case’ de sucesso, o estaleiro irrigou as contas do comitê eleitoral do PT na campanha de 2010 com R$ 150 mil. Responsável pela assinatura do contrato com a Intech, o ex-ministro Altemir Gregolin nega a troca de favores e garante que a contratação do estaleiro foi legal. “O programa das lanchas-patrulha é estratégico e seguiu rigorosamente os requisitos legais”, disse à ISTOÉ. Não é o que pensa o deputado estadual Edison Andrino (PMDB), que encaminhou em setembro um pedido de informação ao Ministério da Pesca. “Estou até agora aguardando uma resposta”, queixa-se. O parlamentar estranha também que o estaleiro tenha como sócios pessoas sem histórico no setor náutico, como o publicitário paulista José Antônio Galízio Neto e o engenheiro químico Pedro Springmann.

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PESCA ENTRE AMIGOS
Ex-ministro Altemir Gregolin (à esquerda) posa ao lado dos sócios da Intech Boating
José Antônio Galízio Neto, Pedro Springmann e Paulo Motta em evento em Florianópolis

As desconfianças dos auditores do TCU sobre o negócio com a Intech permeiam todo o processo licitatório. O primeiro pregão, que previa a construção de um lote de cinco embarcações, aconteceu às 9h da manhã de 26 de dezembro de 2008, um dia depois do Natal. O único concorrente da Intech foi uma empresa de equipamentos industriais, a Cozil, cuja proposta foi “cadastrada de forma equivocada pela Administração”, conforme consta da ata do pregão obtida pela reportagem. Com a desclassificação imediata da Cozil, a Intech foi imediatamente homologada pela Comissão de Licitação. O contrato teve dois aditivos que ultrapassaram R$ 1,36 milhão. Vale notar ainda que o edital previa a construção de lanchas para “operação nos Estados do Pará e Maranhão”. Mas as primeiras unidades foram entregues para a Polícia Militar ambiental de Santa Catarina. A cerimônia pomposa foi devidamente capitalizada politicamente pelas lideranças petistas do Estado.

O segundo lote de lanchas-patrulha, cada uma com 11 pés e equipadas com radiotransmissores, foi ofertado em novo pregão presencial, realizado novamente próximo ao Natal, precisamente no dia 22 de dezembro de 2009. Dessa vez, a encomenda chegou a 23 embarcações. Além da Intech, participou da licitação a Engetec. Essa empresa venceu com o menor preço, mas acabou desclassificada na fase de habilitação por não apresentar atestado de capacidade técnica. O proprietário do estaleiro Engetec, Cesar Thomé Filho, argumenta que detinha todos os requisitos necessários para fabricar as lanchas. O problema, segundo ele, é que o edital teria sido direcionado para beneficiar a Intech. “Eles pediam itens específicos, que se ajustavam ao projeto das lanchas que a Intech já tinha vendido no primeiro lote”, diz. Thomé conta que sua presença no ministério às vésperas do Natal causou estranhamento. “Quando cheguei me questionaram sobre o que eu estava fazendo lá”, conta. Mas se o empresário não tivesse ido, o Ministério da Pesca compraria a lancha do estaleiro de Galízio ao preço de R$ 1,6 milhão, quase três vezes o preço de custo da embarcação. “O custo de uma lancha dessas na ocasião era de R$ 600 mil. Eu ofereci por R$ 1,05 milhão e forcei a Intech a baixar o preço”, afirma.

Como se não bastasse as suspeitas envolvendo o contrato com a Intech – que não retornou aos contatos da reportagem –, os auditores do TCU questionam a pertinência da compra de lanchas para fiscalização, que não é atividade-fim do Ministério da Pesca. Em consequência, a utilização das lanchas só é possível por meio de convênios com instituições estaduais, como polícias ambientais, Ibama, Instituto Chico Mendes e Marinha. Mas o problema não termina aí. Em alguns Estados, como Alagoas, a PM não tem gente qualificada para operar as lanchas. Nenhum curso foi dado até agora. Problemas como esse adiam a entrega de quase uma dezena de lanchas que estão armazenadas ao relento numa marina de Biguaçu (SC).

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