Alejandro Iñárritu e Guillermo del Toro à parte, o mexicano dirige muito mal. E não dá para usar como justificativa o aumento do número veículos em Guadalajara por conta do Pan. Há comportamentos ao volante que têm origem remota, mais exatamente no século XV, quando Montezuma promovia sacrifícios humanos nos templos astecas (o trocadilho com bisteca é tentador, mas, em respeito aos que se foram, me recuso a fazê-lo).

Venho pensando nisso desde terça-feira. No caminho entre o centro de imprensa e o ginásio que abriga os duelos de vôlei, notamos que o trânsito estava lento do outro lado da rodovia. Nosso ônibus chegou mais perto e apareceu o quadro todo: tava lá um corpo estendido no chão. Em vez de uma foto de um gol, o rosto estava lá, exposto, fritando no asfalto quente. Seria insuportável para qualquer pessoa cujo coração ainda batesse.

Sempre que me deparo com cenas assim, juro que não vou olhar. Mas, ao passar do lado, não resisto. Depois, me arrependo e passo os dias seguintes me esforçando para tirar as imagens do disco rígido (não muito) da minha memória. Era um homem que aparentava estar entre os 40 e 50 anos, usava calça jeans e uma camiseta listrada de mangas longas. A cerca de 3 metros de distância, um policial vigiava a cena à espera de uma ambulância, cujo soar da sirene já era audível. Enquanto isso, a vítima do atropelamento passava por aquela que deve ser a mais insuportável das solidões.

Tudo bem, esse foi um caso extremo, mas, no dia seguinte, eu e o intrépido fotógrafo João Castellano nos deparamos com novo acidente. Numa esquina na região próspera – e com cara de Miami – nas cercanias do gigante Expo Guadalajara, o que restou de uma moto jazia ao lado de um carro comoventemente amassado pela colisão. A menos que Nossa Senhora de Guadalupe tenha feito plantão sobre o motoqueiro, a esta altura ele faz companhia ao solitário dos dois parágrafos anteriores.

Em dois dias de Guadalajara, vi o que tomaria pelo menos dois anos de circulação por São Paulo. Por conta disso, passei a acompanhar com mais atenção o motorista mexicano, com o intuito jornalístico de preparar você para alugar um carro sem medo por aqui.

O maior causador de batidinhas bestas é o hábito dos condutores de trocar de faixa sem muita cerimônia. Ligam a seta (às vezes, nem isso) e vão entrando. No dia da abertura do Pan, por exemplo, nossa van foi fechada por um caminhão daqueles de transportar gerador de hidrelétrica. Os cinco brasileiros que estavam no carro vimos aquele Titanic sobre rodas, pensamos não ser tão resistentes quanto um iceberg e nos apavoramos. O motorista não se incomodou. Pra ele, é normal.

Mesmo durante o dia, um semáforo verde não é necessariamente a garantia de uma travessia sem problemas. Guadalajara é cheia de rotatórias, e muitas vezes a visão oblíqua faz com que condutores menos atentos atirem seu carro sobre quem tem, naquele momento, o direito de passar. Nós levamos dois sustos em situações desse tipo. Dono de um espanhol melhor e bem mais esquentadinho que eu, Castellano ficou responsável pelos xingamentos.

Mas a maior insanidade do trânsito local é a quantidade de motoqueiros que serpenteiam pelas ruas e avenidas sem capacete. Calculo que, pela quantidade de polícia na rua, não deva estar na lei a obrigatoriedade do uso desse tipo de salva-vidas. Dá um sentimento ruim ver aquela cabeça vulnerável se perder no meio dos outros carros. E aumenta o receio de, como em São Paulo, motoboy ser chamado de mortoboy.

Nem tudo é tão inóspito no trânsito de Guadalajara. O mesmo motorista que buzina loucamente ao ver que você parou para dar passagem é o mesmo que muda completamente o trajeto para ajudar o forasteiro a chegar a algum lugar. Nessas horas, a gente lembra que por trás daqueles para-brisas estão pessoas que, como nós, são gente fina, mas que, como nós, podem se transformar em monstros quando pegam no volante.